MANAS
Com sua pegada documental, câmera solta e atuações naturalistas ao extremo, Manas nos mergulha na atmosfera úmida e quente da Ilha de Marajó. Estamos desde os minutos iniciais imersos no ritmo de vida daquela família, entre a colheita do açaí, a pesca de camarões, a caça e as tensões em torno da barca que passa por ali regularmente, levando meninas para a prostituição.
Marianna Brennand, em seu primeiro filme de ficção (depois dos documentários Francisco Brennand e O Coco, a Roda, o Pnêu e o Farol), não tem pressa em situar o foco principal de Manas. Em fogo brando ela vai desvelando o pesadelo doméstico da pequena Marcielle (Jamilli Correa), de 13 anos: um pai (Rômulo Braga) firmemente decidido a seduzi-la.
O fato de manter as cenas de abuso, em casa ou na barca, escondidas por elipses só faz intensificar a sensação de violência sobre Marcielle. O relativo “silêncio” do filme sobre isso repercute o silêncio da mãe (Fátima Macedo), vítima de um ciclo que se reproduz de mães para filhas. No pano de fundo, o fervor evangélico a encobrir a miséria humana que todos fingem não ver.
Esse é um drama já bastante trabalhado em filmes brasileiros recentes, muito embora sua ambientação no extremo Norte do país traga certas particularidades, como o desejo de evasão para o Sul, representado pela balsa, e o isolamento que favorece o medo, a dependência e a passividade das mulheres.
A fim de romper esse ciclo, Manas recorre aos expedientes mais discutíveis de sua dramaturgia.
(a partir daqui o texto contém spoilers)
Um deles é a personagem de Dira Paes, espécie de deusa ex-machina que sai de uma mesa burocrática para pousar como delegada do bem em favor de Marcielle. Outro ponto questionável é a saída catártica com que a história se encerra, como se a simples vingança pessoal resolvesse a questão de um mundo de homens cruéis.
Apesar de não ter “comprado” alguns elementos de sua fabulação, não posso deixar de reconhecer que Manas é um trabalho denso, grave e extremamente bem realizado. O roteiro contou com doze mãos e até uma consultoria dos irmãos Dardenne. A coprodução com Portugal, apoios diversos europeus e o envolvimento da Videofilmes garantiram um acabamento de primeira. Mas é a preparação e direção do elenco, a cargo, respectivamente, de René Guerra e Anna Luiza Paes de Almeida, que talvez sejam as qualidades mais evidentes e se adequam ao estilo de filmagem de Marianna.
>> Manas está nos cinemas.



Oi querido,
Vi o filme em Venezia em setembro e depois accompanhei o lançamento na França em março com avant-premières e debates nas salas de Marseille. O filme aqui impactou muito as pessoas e os debates foram muito emocionantes e tocaram numa realidade que afeta tanto a França quanto o Brasil, mas da qual nunca falamos na França !!! como se fosse uma realidade de paises pobres … Queria te fazer uma pergunta, quando você escreve : “esse é um drama já bastante trabalhado em filmes brasileiros recentes” A que filmes você esta pensando ? claro, que nao tenho a possibilidade de assistir aos filmes brasileiros como você !!! infelizmente !!! me esclarece, por favor ! E sempre bom ter a sua opiniao ! Beijos e saudades,
Sylvie
Oi querida, aqui vão alguns exemplos mais ou menos recentes:
Um Crime entre Nós https://carmattos.com/2020/05/18/infancias-roubadas/
A Hora do Recreio https://carmattos.com/2025/04/13/e-tudo-verdade-hora-do-recreio/
Anjos do Sol, de Rudi Lagemann (2006)
Os Olhos de Alice, de Lamarck Dias e Daniel Rizzi (2017)
Sonhos Roubados, de Sandra Werneck (2010)
Obrigada…nao vi nehnum deles, mas é bom saber..merci et bonne nuit…il est presque minuit en France !!!
Como sempre lúcido, apontando o dedo nas pequenas feridas!
Mas, gostei muito do misto de delicadeza e soco no estômago.
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