Notas sobre os filmes MEMÓRIAS DE UM CARACOL e TELEFÉRICO DO AMOR
Apenas uma vidinha infeliz
Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail) é um primor enquanto técnica e estética de animação. O stop motion mobiliza uma infinidade de elementos cenográficos, alusões a livros e a obras de arte. No entanto, o filme de Adam Elliot me tocou bem menos do que eu esperava. As memórias de Grace, contadas para seu caracol de estimação Sylvia, são uma sucessão de perdas e dores que visam apenas construir uma personagem coitadinha, vítima de não sei quantas armadilhas do destino.
As mortes se sucedem, e as referências a sexo, homossexualidade e sofrimentos físicos o tornam uma atração restrita a adultos. Não acho que seja um filme família, como dizem alguns. O acúmulo de subplots, narrados por Grace em voz over, soam um tanto gratuitos, meramente cumulativos, assim como a sua coleção de caracóis e coisas referentes a caracóis.
Pinky, a velhinha que a ajuda e conforta, assim como o irmão Gilbert, de quem é afastada por muitos anos, servem para veicular uma mensagem de autoajuda que domina as sequências finais de maneira quase constrangedora. Apesar dos prodígios da animação, o roteiro me pareceu sobrecarregado e sem muito apelo emocional além do óbvio de uma vidinha infeliz.
>> Memórias de um Caracol está nos cinemas.
O amor está no ar
O humor lacônico de Teleférico do Amor (Gondola) vem da Geórgia, país que teve o apogeu do seu cinema nas décadas de 1950 a 1980, quando esteve na esfera soviética. Foi o tempo de grandes diretores como Sergei Paradjanov, Otar Iosseliani, Mikhail Kalatozov e Tengiz Abuladze. Desde então, o cinema georgiano vive de filmes modestos e geralmente de ambientação rural como essa coprodução dirigida pelo alemão Veit Helmer.
Nas montanhas, um teleférico não turístico faz o transporte de moradores entre duas extremidades do vale. Nino e Iva são duas condutoras que se cruzam regularmente no ar conforme as gôndolas passam uma pela outra. De um estranhamento inicial, a relação evolui para uma amizade e depois para um flerte amoroso. A comicidade é buscada pelas iniciativas inusitadas de cada uma para agradar/seduzir a outra nesses brevíssimos encontros.
Veit Helmer é um diretor adepto de comédias românticas sem diálogos, como De Quem é o Sutiã?, lançado por aqui em 2020. Seu estilo lembra o do holandês Jos Stelling (O Ilusionista, O Homem da Linha), especializado em contos absurdos não verbais. Em Teleférico do Amor, até mesmo os ruídos são reduzidos ao mínimo essencial, incluindo o motor da casa de máquinas.
Além dos cortejos mútuos entre as duas condutoras, os poucos elementos em jogo nessa pequena fantasia são um tabuleiro de xadrez, a paquerinha entre um garoto e uma menina, a vilania patética do chefe das moças e as peculiaridades de alguns poucos passageiros. Não demora muito para que a graça se esgote e o filme apenas repita variações de um mesmo motivo, tal como a trilha musical também reiterativa.
O que mais chama atenção no filme é o contraste entre a ingenuidade da fábula e o entrecho homossexual. Embora permaneça num patamar quase platônico, a relação entre Nino e Iva tem um potencial transgressor nada desprezível para o contexto daquela Geórgia profunda.
>> Teleférico do Amor está nos cinemas.


