EROS
Nos dez quartos de motel que “invadimos” em Eros, há um pequeno painel do que pode acontecer nesses espaços de máxima intimidade. Há os casais heterossexuais, os gays, a amante trans, o casal sadomasoquista, o threesome chegado a uma fantasia religiosa, o casal à espera de uma interação com o quarto ao lado. Ali se encontram o pai e a mãe que precisam transar longe dos filhos, assim como o homem necessitado de desabafar com uma trabalhadora do sexo e até um performer solitário que precisa se contentar com a masturbação e se filma para alguém ausente ou mesmo imaginário.
A própria diretora Rachel Daisy Ellis, britânica radicada em Recife e produtora dos filmes recentes de Gabriel Mascaro, se filma numa dessas suítes, numa espécie de introdução ao projeto do seu primeiro longa-metragem. Ela encontrou pessoas dispostas a se filmarem para esse retrato dos hábitos e pensamentos associados à sexualidade em seu estado mais cru e eventualmente também melancólico. De certa forma, isso se assemelha a outro documentário pernambucano de 16 anos atrás, Pacific, de Marcelo Pedroso, composto de filmagens pessoais num cruzeiro de classe média. Ali, porém, as pessoas só foram abordadas pela produção no fim do passeio. Suas gravações, portanto, eram espontâneas. Em Eros, ao contrário, cada um sabia que estaria no filme, do que resulta uma consciência e um controle do que seria visto pelo público. Mais do que se mostrar como são, aquelas pessoas mostravam como gostariam de ser vistas.
Isso, porém, não reduz o teor de exposição de alguns personagens, seja física, seja mentalmente. Eros não vai muito além de uma experiência de voyeurismo, mas na qual o espectador se sente também um voyeur espiritual. O solilóquio da moça trans, por exemplo, soa transbordante de sinceridade, assim como parecem legítimas as brincadeiras do casal BDSM tatuado até a alma. As conversas de personagens evangélicos sobre sexo e a sessão de “terapia” do cliente maduro, entre outras coisas, revelam o motel como local não só de fazer sexo, mas também de derrubar tabus, se autoconhecer, alimentar romances e rascunhar reflexões.
As filmagens com celulares, sem cuidados técnicos especiais, não nos poupam de algumas imagens grotescas e esteticamente desagradáveis. As condições precárias de som às vezes prejudicam a assimilação das falas, enquanto a montagem me pareceu condescendente com alguns episódios estendidos para além da conta. De qualquer forma, muito do que pode ser tomado como deficiência em Eros reflete uma fisionomia popular condicionada pela mítica do motel. O deslumbramento com os gadgets e a arquitetura dos quartos, o desfrute das jacuzzis e das refeições trazidas à beira da cama se somam ao sexo para dar forma a esses paraísos provisórios.
>> Eros está nos cinemas.

