O SILÊNCIO DAS OSTRAS
A impunidade da Vale e da Samarco pelas mortes e destruições causadas com o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho continua gritando aos nossos ouvidos por mais green washing que essas empresas façam, inclusive na área cultural. As catástrofes já ocasionaram diversos filmes-denúncia, em sua maioria documentários. A esse plantel vem se juntar O Silêncio das Ostras, primeiro longa de ficção de Marcos Pimentel, realizador mineiro consagrado no cinema do real (Fé e Fúria, Amanhã, Pele, A Parte do Mundo que me Pertence).
De certa forma, é um filme que caminha lentamente da ficção para o documentário. Conta a história de Kaylane, uma mulher que vê sua família e seu mundo gradativamente se diluírem nas tragédias da mineração. Ela tem traços de autismo, como o retraimento e a obsessão por insetos e outros animais. É vista em três idades: menina (Lavinia Castelari), moça e mulher madura (Bárbara Colen). Suas perdas familiares a condenam a uma completa solidão. Tem uma trajetória marcada pela incapacitação física do pai, provavelmente vítima do trabalho na mineração, pelo sumiço da mãe e o êxodo dos irmãos. Por fim, a perda da casa vai transformá-la em andarilha por uma paisagem que desde o início anuncia as ruínas futuras.
O filme foi rodado em várias localidades de Minas Gerais, algumas devastadas pelos desastres de 2015 e 2019. São paisagens do fim, que poderiam estar no meu site-livro e no meu video-ensaio a esse respeito. O tema apocalíptico é insistentemente referenciado no filme pela versão brasileira da canção italiana Eva, que anuncia “o fim da aventura humana na Terra”. Kaylane, porém, é retratada como uma força silenciosa de resistência. Não por acaso, vai cruzar seu caminho com indígenas reais que também resistem ao cerco das mineradoras.
Marcos Pimentel deixa entrever uma possível influência de Jia Zhang-ke na forma lenta com que descortina os cenários das grandes áreas de extração. Imagens poderosas, sem dúvida, mas que de tão belamente filmadas por Petrus Cariry talvez ressoem mais como uma elegia que como uma incriminação. Há uma busca deliberada pelo ritmo lento, os poucos diálogos cheios de pausas e uma estrutura fragmentária que aspira à poesia. Tudo isso gera um certo artificialismo que comprometeu um pouco o meu engajamento com o percurso de Kaylane.
Vejo ali uma dificuldade em concatenar a denúncia da mineração predatória com a história dessa moça singular demais, que ora parece seguir o destino da mãe, ora parece forjar seu próprio caminho. A junção dos dois motivos me pareceu excessivamente arquitetada, sem a organicidade que esse tipo de construção requer. Apesar disso, o filme tem um forte apelo estético, seja na fotografia, seja na paisagem sonora muito presente. Resta forte a caracterização de uma gente marcada para morrer pela exploração capitalista, o envenenamento das águas ou as avalanches de lama.
>> O Silêncio das Ostras está nos cinemas.

