O DESERTO DE AKIN
O programa Mais Médicos ainda carece de uma representação no cinema de ficção brasileiro. Lembro-me apenas de uma breve referência em A Cidade do Futuro, dos baianos Cláudio Marques e Marília Hughes, em 2018. O Deserto de Akin se passa exatamente naquele ano em que o país sofria o abalo do bolsonarismo e o programa era quase totalmente descontinuado.
O ator Reynier Morales faz um médico cubano atuando numa comunidade do interior do Espírito Santo, onde atende indígenas e não indígenas. Nas horas vagas, Akin joga beisebol e namora a fogosa Érica (Ana Flávia Cavalcanti). A eles vai se juntar Sérgio (Guga Patriota), um amigo gay. Fica logo clara a intenção de contrapor a liberalidade de gênero ao conservadorismo violento e arrogante que saía do armário no Brasil daquele momento.
É uma pena que o assunto receba um tratamento ligeiro demais, com personagens mal constituídos numa dramaturgia frágil. Ao invés de dar alma àquelas criaturas, o diretor capixaba Bernard Lessa concentra seu trabalho nos corpos, na busca frequente de uma sensualidade que pretende substituir tudo o mais. Soam inverossímeis certas cenas ousadas acontecendo publicamente num lugar como aquele. O ritmo é distendido em pausas e tempos mortos, deixando a impressão de que estamos diante de um curta que foi espichado artificialmente.
A campanha presidencial de 2018, com a vitória da extrema-direita, vai intensificar a polarização entre as pessoas e colocar Akin num dilema entre voltar para Cuba ou permanecer no Brasil. Mas nem isso é desenvolvido dramaticamente a contento, dada a tibieza do roteiro. Tampouco ficam claros os sentidos simbólicos de dois elementos recorrentes: as cobras que aparecem aqui e ali no caminho de Akin e as areias que invadem as casas numa lenta catástrofe.
O Mais Médicos foi retomado no governo Lula 3 e conta hoje com cerca de 8.500 cubanos servindo em comunidades brasileiras. Certamente há ali um manancial de histórias a serem contadas com mais vigor e menos idealização.
>> O Deserto de Akin está nos cinemas.

