Em seguida ao golpe que derrubou Salvador Allende, vários ativistas de esquerda chilenos e exilados de outros países se refugiaram em embaixadas de Santiago. A menina Flavia Castro estava entre as pessoas acolhidas pela embaixada da Argentina, país então governado pelo Partido Justicialista de Perón. Carlos Minc e Liszt Vieira são citados entre os que pediam asilo à espera de visto para sair do país. As Vitrines se baseia em lembranças de Flavia dessa época.
Pela terceira vez, a cineasta revolve o seu passado atravessado pela ditadura brasileira. Diário de uma Busca se construía a partir de uma série de perguntas sobre a vida e as circunstâncias da morte de seu pai, um militante comunista. Deslembro era uma fabulação em torno de sua volta a contragosto do exílio para um Brasil que lhe era estranho demais.
Em As Vitrines, Flavia se reencarna no papel da menina Ana (Helena O’Donnell) em sua convivência com outras crianças e os adultos no huis-clos da embaixada. Rejeitando a ideia de vir para o Brasil, ela personifica a facilidade infantil em fincar raízes temporárias. O hábito de recolher pequenos objetos e enterrá-los diz muito sobre isso. O protagonismo é dividido com o menino Pedro (Gael Nórdio), que sofre pelo destino da mãe, separada dele e do pai no momento de entrar na embaixada. Guardas de Pinochet se postavam no portão do casarão para impedir a entrada de novos refugiados, a tiros se fosse o caso. O medo de uma invasão era constante.
O filme se organiza como um painel de fragmentos sobre a vida provisória naquela comunidade improvisada. À espera de um salvo conduto, as pessoas passavam o tempo em aulas teóricas (satirizadas numa cena divertida), cantorias, partidas de xadrez e preparação de comidas, enquanto as crianças brincavam, faziam escambos e experimentavam uma espécie de liberdade intramuros. A cada lista que chegava com os nomes liberados para sair da embaixada, o grupo sentia um misto de alegria e perda.
Essa situação sui generis é vista principalmente a partir das crianças, o grande trunfo de As Vitrines. As quatro principais têm desempenhos cativantes num elenco composto por brasileiros, chilenos, argentinos e uruguaios. A fotografia de Heloísa Passos valoriza os espaços ao mesmo tempo amplos do casarão e limitados pela condição política dos que o habitavam. O roteiro padece de uma certa desconexão entre os micro-episódios e, pelo menos em mim, não surtiu um efeito emocional mais marcante. Ainda assim, pelo apelo do argumento e o acerto nas minúcias da direção, Flavia nos faz imergir numa experiência de exceção. Percebemos, assim, como esse tipo de vivência pode afetar personalidades em formação.
TER (07/10) 21:15 Cinesystem Belas Artes 5
Habitar o Tempo
Seis amigos estão reunidos numa sala. Garrafas de vinho podem ser vistas por ali. Eles têm livros e papéis à mão. Alguns seguram câmeras também, e se filmam uns aos outros. Alternando as vozes, leem o poema dialogado Os Três Mal-amados, de João Cabral de Mello Neto. Um sarau descontraído de 22 anos atrás que agora salta à vista principalmente porque um dos participantes é Eduardo Coutinho.
Junto a ele estavam os amigos e colaboradores Cristiana Grumbach, que assina a direção e a montagem do curta, Eliska Altman, Renata Baldi, Geraldo Pereira e Fernando Fragozo. Cristiana editou o filme como um mosaico de telas divididas, ressaltando a interação do sexteto através das respectivas câmeras. O áudio transita da recitação alternada para ensaios de simultaneidade e cacofonia.
Habitar o Tempo, título de outro poema de João Cabral também citado, diz respeito àquele momento de convergência dos amigos em torno não do cinema, mas da poesia. Coutinho hoje é o grande ausente. Por incrível que pareça, nenhum cigarro aparece em sua mão.
TER (07/10) 13:30 Cine Odeon – CCLSR
QUA (08/10) 16:15 Cinesystem Belas Artes 5


