FILMAR OU MORRER na Mostra de Cinema de São Paulo
Em 1981, Wim Wenders filmava em Portugal uma possível morte do cinema em O Estado das Coisas, Raúl Ruiz lançava um filme sobre morte e canibalismo rodado em Sintra, O Território, e Glauber Rocha morria naquela mesma cidade. No seu elegante filme-ensaio Filmar ou Morrer (Films to Die For), Lúcia Nagib mostra que, mais que coincidência, isso falava sobre um certo estado do cinema naquele momento. O filme passa na Mostra de Cinema de São Paulo (veja dias e horários abaixo).
Então falava-se muito na morte do cinema, na banalização das imagens, etc. Havia uma crise do cinema independente e também impasses em Hollywood (vide a malfadada Zoetrope de Coppola). A partir do case O Estado das Coisas, um filme sobre a crise, Lúcia monta uma constelação de diálogos, influências e heranças que vai de Godard, Robert Bresson e Glauber a Wenders, Ruiz e Walter Salles. O possível corolário é que, afinal, entre mortos e feridos, o cinema sobreviveu.
Com ajuda teórica da crítica britânica Laura Mulvey e uma mãozinha histórica do produtor português Paulo Branco, o filme remonta uma história com nexos surpreendentes entre os cinemas estadunidense, europeu e latino-americano. Do “romance” entre Hollywood e o cinema europeu, vindo dos anos 1960, nasceram vários filmes de Wenders, que escalou Samuel Fuller e Roger Corman em papéis de O Estado das Coisas, junto a todo um elenco coadjuvante herdado de O Território.
Na relação entre cinefilia e criação, Walter Salles comenta sua admiração pelos filmes do português Paulo Rocha e por Alice nas Cidades, de Wenders, esta perceptível em Central do Brasil. O mesmo modelo de carro de Belmondo em Acossado foi usado em cenas de Terra Estrangeira, filme, aliás, realizado em Portugal ao mesmo tempo em que Wenders fazia O Céu sobre Lisboa.
A dialética entre morte e sobrevivência rebate nas imagens selecionadas com muito critério por Lúcia, escritora e professora de cinema brasileira atuante na Inglaterra. Ela voltou a algumas locações icônicas e situou Wenders como o personagem central de um percurso de crises, desânimos e voltas por cima. O aparente beco sem saída dos anos 1980 deixou obras insólitas como algumas citadas aqui. Foi traumático, mas também abriu estradas para uma nova fertilidade do cinema na década seguinte.
>> Sessões de Filmar ou Morrer na Mostra de SP: Dias 23, às 19h45 (Espaço Petrobras de Cinema 1); 25, às 15h (Reserva Cultural 2); 28, às 19h (Spcine – Biblioteca Roberto Santos); e 29, às 17h (Spcine CCSP – Lima Barreto)


