Patrícia, “cavalo” de Maya

PROCURANDO MAYA DEREN e CAUSE OF DEATH: UNKNOWN, candidatos à minha lista de filmes favoritos de 2025 ainda não lançados comercialmente

A ideia de procura cai como uma luva em Procurando Maya Deren. O que temos ali é uma artista no encalço dos rastros artísticos de outra, que a inspira e apaixona. Patrícia Niedermeier não fez um filme sobre Maya, mas um ensaio que mescla recriação, paráfrase, tributo e devoção.

A imagem de um coração batendo abre e fecha o filme, sinalizando que se opera na chave do afeto e da pulsação. Maya Deren, a pioneira vanguardista do cinema, é uma das muitas referências vitais para a culta Patrícia. Talvez seja mesmo um modelo para a atriz, dançarina e cinepoeta ávida por experimentação.

Tal como fez com Yves Klein em Ensaios sobre Yves, Patrícia constrói um tecido audiovisual sofisticado em que os traços da personagem se confundem com os da autora. A simbiose se dá tanto pelas imagens que se espelham – Patricia refaz fragmentos de cenas de Maya – quanto pelas falas, que ora vêm dos diários e escritos de Maya, ora brotam da própria Patrícia.

Não se trata de chegar a Maya ou defini-la. À parte algumas poucas informações sobre sua origem na Ucrânia e seus destinos nos EUA e no Haiti, o que importa é tatear uma forma de se aproximar dela pelos caminhos da criação. Daí a presença obsessiva da água e a centralidade do corpo na cena, típicos de Maya. Mas a liberdade de recriação é uma alforria para Patrícia agitar seu corpo em fontes e campos de tulipas na Holanda, em praias brasileiras e em museus de vários lugares.

Como acontece em outros trabalhos da dupla Cavi-Patrícia, este é também uma rede de motivos visuais e sonoros em busca de obter, ao final, uma sugestão poderosa do que foi a obra singular e arejadora de Maya Deren. As fronteiras se dissolvem entre documentário, performance, dança e videoarte, com as imagens de filmes de Maya navegando entre as cenas de Patrícia.

Para chegar à organicidade e beleza com que tudo se apresenta foram fundamentais a montagem refinada de Tainan Hsu e a direção musical que se revela impactante aqui, enlevadora acolá. Patrícia incorpora Maya às vezes com uma visceralidade assombrosa, quando não com a delicadeza de um aceno. Tudo é captado com um profundo senso de cumplicidade pelas câmeras de Cavi, Guto Neto e outros colaboradores da fotografia.

É uma pena que nem todos os temas a que o filme alude nas entrelinhas fiquem claros para o espectador desavisado. A assiduidade com que os cavalos aparecem, por exemplo, se explica por um interesse paralelo da diretora – afora o fato de que ela serve de “cavalo” no sentido espiritual para a evocação de Maya Deren. O uso de músicas ucranianas é um aceno à terra natal de Maya.

Produzido sem patrocínio nem incentivos, Procurando Maya Deren é uma vitória do cinema independente feito por amor. Com uma mala de filmes aberta diante de si, Patrícia Niedermeier celebra a força de uma arte feminina e ardorosa. Ao procurar Maya, pode-se dizer que ela encontrou a si mesma.



Discussão ética no deserto iraniano

Uma van cruza o deserto de Lut rumo a Kerman, no Irã. Os sete passageiros parecem ter algo a esconder. Um casal jovem se dilacera quanto à incerteza de fugirem juntos para a Turquia. Um homem tenta arrumar dinheiro para salvar um amigo da condenação à morte, outro tem propósitos misteriosos. O motorista corteja a mulher muda que namora um homem casado. Está ali um microcosmo de questões que afligem o Irã por baixo dos panos.

No meio da viagem, um dos passageiros morre subitamente. No forro da sua jaqueta encontram-se milhares de dólares. Daí se desenrola uma longa querela sobre o que fazer com o corpo e o dinheiro. Todos relutam em admitir que seria bom dividir a grana para atender às necessidades urgentes de cada um. A discussão ética, tão cara ao cinema iraniano, se estende nesse road movie poeirento, entre as intenções honestas, a desconfiança mútua e o medo de que apareça a polícia. O filme vai caminhar para uma encruzilhada moral e termina em aberto.

Cause of Death: Unknown, de Ali Zarnegar, foi o representante do Irã na corrida pelo Oscar de filme estrangeiro, não pré-selecionado. Lembrando aqui que o festejadíssimo Foi Apenas um Acidente, de Jafar Panahi, concorre pela França (!)

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