Ainda não vi o doc Jards Macalé – Um Morcego na Porta Principal, mas trago de volta aqui o iluminado texto que Felipe Messina publicou no DocBlog durante o Festival do Rio de 2008. Curtam aí:
Antes que acenda a luz do dia, o morcego corta o ar e desfere seus berros contra os obstáculos. A cada batida de asas, calcula as distâncias entre ele e o que o cerca. Seu próprio som o faz navegar em territórios nos quais nem os “Olhos de Lince” conseguem enxergar. Seja pedra, seja planta, seja bicho, seja humano.
O primeiro berro lança contra o diretor do filme. “Para que todas essas entrevistas? Sinceramente não estou entendendo! Eu não confio nisso! Tô falando sério!” A câmera?, deixa-a de lado e encara os arguidores em tom ameaçador. Óculos escuros, camisa de super-homem e zelo pela própria história. Mesmo para quem Vive do presente, diz em alto e bom som que teme por “uma catástrofe”, pela “desconstrução de sua vida”. O mito da infalibilidade e transcendência do cinema persiste. Mas o filme segue. Segue incompleto, como todos. Lacunas planejadas pelo personagem; lacunas geradas pelos criadores.
Corte. Fumaça, cabeça, nuca, fonogramas… “Vou ficar aqui exposto à audição pública”, escuta-se mais uma vez enquanto o cenário prepara a entrada das imagens de super 8 impressas também por ele. Cores silvantes e versos antigos se unem às imagens do passado que se misturam aos dias recentes como se certos momentos vivessem para sempre. Se a pele muda, a cor da carne se mantém. Se os pelos agrisalham, a língua permanece a mesma. Dela sai a voz que canta o filme inteiro. Ouvi-lo em suas mais variadas fases é quase uma obsessão. Canta letras de sua autoria e interpreta a lírica de outros poetas. Se os versos não são seus, os sentimentos parecem vir de dentro. Assim um perfil é construído também através da música. Solidão, fervor, eletricidade, enfrentamento. Sobretudo solidão e enfrentamento.
De repente, um pretexto é mote rápido para vê-lo no palco onde hoje é entrevistado por Jaguar. Não se acostume, os lances são velozes e o texto redigido é linha mestra na costura entre as canções, perguntas e anedotas. Os risos nunca cessam e o humor lhe transborda. Ri de si mesmo, ri do camburão, ri do saudoso companheiro e mestre Kid Morengueira (a amizade entre os dois está no curta Tira os Óculos e Recolhe o Homem, de André Sampaio). Nesta sequência extensa de entrevistas, as horas e horas de conversas ficam sugeridas. Vê-se o cantor, o compositor, o ator. O destino do poeta é coisa dele e talvez por isso os amigos, colegas e admiradores lhe façam deferência. Capinam, Cafi, Chico Chaves, Zé Celso, Nelson Pereira…
Soberba, a mãe lhe sustenta o passo e, sentados num balanço de Penedo, relembram a “peleja” entre ele e Dori Caymmi. Afeito aos acordes dissonantes, com o violão na perna mostra à Dona Lygia a diminuta “inoportuna” que o amigo lhe impusera. Sente-se mais uma vez o cheiro da casa da mãe onde os amigos enfurnados tramavam o Tropicalismo. Saudades de Torquato. Rio e também posso chorar.
Wally não pede licença e, tão rápido como um raio, cruza o cenário com sua voz e sua poesia. Dele apenas as palavras e a imagem enquanto declama. Ah vale a pena ser poeta.
Pouco a pouco, define-se o rumo entre o palco constante, a repetição das imagens antigas e o rememorar dos tantos golpes, de sorte ou de azar. Caçavam bruxas nos telhados de Gotham City e ele próprio acabou marcado pelos inimigos com os quais se debateu. A ponto de ser rotulado como “maldito” juntamente com outras figuras como Luiz Melodia e Jorge Mautner. Foi o preço que pagou por dizer o que pensava, por atacar a indústria fonográfica e alçar outros tantos voos no escuro. Ah como é forte o gosto da farinha do desprezo. Quando a comeu, ao menos foi em boa companhia.
A vida sempre por um triz. No passo errante do risco, o morcego também pousa solitário. É certo que de ponta-cabeça. Apesar de tudo, escuta sempre a si mesmo. “Os próprios barulhinhos internos”. E aí nunca fica só.
Felipe Messina

opa, carlos alberto, bão?
tô louco pra ver esse filme, sou grande-grande fã do Jards (tanto que o nome do meu blog vem de uma música dele), mas sabia que esse doc. vai passar no Canal Brasil já no final de março? dia 27, 21h.
no mais, entrevistamos o cara no Gafieiras.
http://www.gafieiras.com.br/Display.php?Area=InterviewsOpenings&Action=Read&IDInterview=36&IDArtist=35