Quem me segue no Twitter tem testemunhado minha recente vergonha com o diploma de jornalista. Não pela profissão em si, uma das mais nobres que existem, mas pelo sentido que ela tem adquirido na grande imprensa brasileira. Estou impressionado com a quantidade de jornalistas-carneirinhos que se prestam ao jogo sujo praticado pelos grandes jornais e revistas nessa campanha eleitoral.
A grande mídia tem sido o braço auxiliar das forças conservadoras, ecoando acriticamente o denuncismo eleitoreiro, as baixarias difamatórias e, mais recentemente, o fundamentalismo religioso que infelizmente virou protagonista da campanha. Essa mídia não só ecoa, como fornece combustível para a caça às bruxas e as insinuações perversas, numa parceria sinistra para a transparência de uma sociedade democrática.
O Globo, único jornal que (ainda) assino por causa do Segundo Caderno e de alguns suplementos, abre espaços mínimos para o pensamento progressista, mas prontamente o ofusca mediante uma “seleção” de assuntos e espaços destinada exclusivamente a torpedear a candidatura de Dilma Roussef. Nenhuma realização do Governo Lula merece mais que algumas linhas em cantos de página ou perdidas dentro de alguma matéria “questionadora”, ao passo que os elogios ao governo Cabral (justos, não discuto) são uma cantilena praticamente diária. Cito isso apenas para desmentir a tese de que “jornais não são para elogiar, mas para investigar”. No caso da campanha à presidência, até a paginação do jornal reflete a escolha eleitoral dissimulada: artigos sobre Dilma na página par; textos sobre Serra na página ímpar (zona áurea da leitura). Nem caberia enumerar aqui as estratégias de edição que a cada dia procuram reforçar uma imagem negativa para a candidata oficial.
A Folha de S. Paulo, de passado épico na campanha pelas Diretas Já, hoje é, com raras exceções, um ninho de pós-yuppies tucanos dispostos a tudo para trazer as aves bicudas de volta ao poder. O Estadão, que pelo menos teve a dignidade de explicitar seu apoio a Serra num editorial, mostra-se truculento no combate ao dissenso, como ocorreu no episódio da demissão da colunista Maria Rita Kehl por conta de um artigo em que defendia o Governo Lula. A Veja… bem, há muito não a considero uma revista, mas um panfleto das elites conservadoras. Há outros grandes jornais e revistas no mercado, mas seu papel político é bem menos decisivo que o desses.
Em tal panorama repulsivo, uma coisa tem me causado um mal-estar quase físico: é a falácia de alguns jornais em se arvorarem porta-vozes da sociedade e canal obrigatório de comunicação entre governantes e governados. Artigos e editoriais revoltados condenam sites, blogs e twitters de políticos e estatais – de Cristina Kirchner e Hugo Chávez à Petrobras – por estabelecerem um contato direto entre governos e sociedade. Qualquer iniciativa nesse sentido é tomada como um ataque ao papel mediador da imprensa.
Ora, que mediação é essa? A imprensa é espaço e instrumento de poder, além de empreendimento comercial. E isso não é de hoje. Todos sabemos como os grandes jornais pediram e apoiaram o golpe de 1964, sendo que alguns se arrependeram pouco depois ao ver o monstro que tinham ajudado a criar. O sistema Globo, aliás, seguiu apoiando a ditadura até o fim. Com a mais recente “empresificação” dos meios de comunicação, estes se tornaram, ainda mais, veículos de defesa e cabos eleitorais de interesses econômicos. Um desses interesses, senão o principal, é o deles próprios. Jornais precisam conservar seu poder de influência para se manterem comercialmente fortes. Daí as reações inflamadas contra qualquer tentativa de regulação ou de bypass pelas instituições políticas que, através da internet, lhes roubam o papel de “mediador”.
No mundo inteiro, essa função da imprensa vem sendo relativizada. A cada semana recebo, por exemplo, e-mails assinados por Barack Obama (através do projeto democrata Organizing for America) discutindo suas principais inquietações. Já se foi o tempo em que o cidadão dependia da mídia para ter acesso ao que pensa o seu prefeito ou seu presidente. A internet pulverizou essa mediação, e isso nada tem a ver com autoritarismo, muito pelo contrário.
É preciso denunciar esse bordão da imprensa como instituição “neutra”, vestal intocável a serviço do bem comum. Não é. Talvez nunca tenha sido. Essa grande imprensa brasileira de hoje não me representa, assim como certamente não representa a grande maioria do povo brasileiro. Mediadores entre governantes e cidadãos são os instrumentos da sociedade civil, a livre veiculação de ideias e opiniões não tuteladas por editores comprometidos. Jornais e TVs são balcões de compra e venda, aí entendido também o comércio político.
À grande mídia brasileira não basta mais retratar o país pior do que é na verdade. Ela agora contribui para torná-lo de fato pior. É por isso que mantenho meu diploma na gaveta, à espera de que o jornalismo deixe de ser uma vitrine para a hipocrisia e o obscurantismo.
Carlos,
Que bom que você traduziu um sentimento que vem batendo na alma daqueles que, de fora das redações, assistem ao show tendencioso da mídia comprometida com o conservadorismo, com sentimentos religiosos de ocasião e um moralismo exacerbado e de conveniência. Parabéns
Que maravilha Carlinhos…
Vai tua vida,
Teu caminho é de paz e amor
Vai tua vida é uma linda canção de amor
Abre os teus braços
E canta a última esperança
A esperança divina de amar em paz
Se todos fossem iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar,
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar,
A sorrir, a cantar, a pedir
A beleza de amar
Como o sol,
Como a flor,
Como a luz
Amar sem mentir,
Nem sofrer
Existiria verdade,
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você
Composição: Tom Jobim e Vinícius de Moraes
Rob, Floriano e Socorro, obrigado pelo retorno carinhoso e entusiasmado.
Bravo, Carlinhos, parabéns pelas palavras! Vou usá-las em minha “campanha” individual contra essa onda conservadora que tomou conta dessa mídia eleitorera, como você bem denuncia aqui.
abç, Socorro
Caro Carlinhos
Ao ler sua matéria me orgulhei de ser seu amigo.
Abraços
Amigo Carlinhos, perfeito! Acho que vc não sabe, mas sou jornalista de formação. Apesar da pouquíssima experiência na área, nunca me esqueci dos ensinamentos dos mestres (quase todos da redação do extinto JB), principalmente quanto à ética e aos princípios do jornalismo.
Sabemos nós o quanto é fácil, utilizando recursos de edição, “influenciar” a massa de leitores. Infelizmente estamos órfãos de um veículo capaz de nos manter no caminho da informação relevante, aquela que contribua para formação de uma consciência crítica, fundamental para uma sociedade participativa.
Abç,
Rob
Excelente texto. Muitas vezes tenho o mesmo sentimento. Não sou jornalista, mas tenho admiração pela profissão e até me arrependo de não ter corrido atrás quando era jovem. Agora é tarde. Mas não creio que caiba a “vergonha” de sê-lo, nem seja adequado “engavetar” o diploma. Melhor que se faça isso que você fez: fale, escreva, grite. Mesmo que poucos o ouçam, ainda assim se sentirá limpo com sua consciência e sua ética. E nenhuma palavra escrita é uma palavra perdida. Parabéns pelo ótimo blog que acompanho faz alguns meses.
Valeu, Rogério, pela sintonia e o estímulo. Um abraço.
Muito bom! Entretanto, há milhares de jornalistas que nada têm a ver com essa prática torpe dos nossos dias, marcada sobretudo pelo monopólio da propriedade midiática, que nós, jornalistas, teremos que combater junto com a sociedade. Gostei muito, vou recomendar aos meus alunos.
Claro, Joana. Nós e eles sabemos muito bem a quem me refiro. Obrigado pela mensagem.
Meu primeiro pensamento seria: ainda bem que não sou jornalista. Risos. Ao menos, não preciso me envergonhar disto. Mas posso me envergonhar de muitos, vários economistas que conheço que desconhecem os avanços econômicos, verdadeiros pilares para toda uma política desenvolvimentista, do atual Governo Federal. É o mesmo descontentamento com as “verdades” fabricadas pela mídia. Compartilhamos um sentimento comum hoje. Dá uma olhada lá no “Doidos” http://wp.me/pMOve-v0 Beijo grande e avante, companheiro! Leninha.
“A grande mídia tem sido o braço auxiliar das forças conservadoras, ecoando acriticamente o denuncismo eleitoreiro, as baixarias difamatórias e, mais recentemente, o fundamentalismo religioso que infelizmente virou protagonista da campanha.”
O pior é esse repentino obscurantismo religioso, que faz duvidar das lutas seculares de democratização.