A morte de Zé Celso Martinez Correia proporcionou a estreia desse documentário, um belo esforço de pesquisa e montagem que traz a história do Teatro Oficina sem ceder ao didatismo. Máquina do Desejo: Os 60 Anos do Teatro Oficina deixa-se imantar pelo caráter dionisíaco do material audiovisual existente e dispensa entrevistas ou depoimentos formais. As cenas de arquivo de 60 anos de trajetória se articulam numa voragem de imagens e sons, aditivados por um tratamento sonoro (com música de Guilherme Vaz) que estimula os sentidos.
Apesar da aparente anarquia, há uma ordem sutil que conforma uma narrativa. Isso é organizado pelas falas em off de Zé Celso e outros personagens não identificados (afinal, é a voz de um coletivo que se projeta contando sua própria história). É por essa pista que seguimos o percurso do Oficina desde os tempos inaugurais com Eugenio Kusnet (ator, diretor e professor identificado com o teatro clássico), que foi um misto contraditório de inspirador e antagonista. Os tempos de guerra contra a burguesia, a ditadura e a censura vieram com O Rei da Vela, Roda Viva, Galileu Galilei e Na Selva das Cidades , que desestabilizaram não só os lugares de palco e plateia, como a própria ideia de espaço teatral. O incêndio de 1966 e a reconstrução do teatro atribuem ao Oficina um status de fênix. Tragicamente, foi outro incêndio que consumiu o corpo de Zé Celso.
O grupo prosseguiu em seu projeto de descolonizar o teatro brasileiro nos anos 1970 até a prisão, tortura e exílio de Zé Celso em Portugal e África. Máquina do Desejo incorpora trechos extensos do documentário experimental 25, realizado por Zé Celso no Moçambique recém-independente. De volta ao Brasil em 1979, ele se engaja numa longa luta de preservação do galpão do Bexiga, que se estende até hoje, numa disputa com o conglomerado de Silvio Santos.
As célebres montagens de Hamlet, Cacilda, As Bacantes e Os Sertões dão provas da resistência de uma forma de teatro livre e subversiva que reverbera as máximas de Oswald de Andrade adotadas por Zé Celso: “misturar a contribuição de todos os erros do país e condensar todas as revoltas numa só direção”.
O documentário de Lucas Weglinski e Joaquim Castro descreve essas seis décadas de criação e procriação sem trair a verve revolucionária e hedonista do Uzyna Uzona. É um feito e tanto.
>> Máquina do Desejo está nos cinemas.
Aproveito para recomendar também o curta Zé[s], de Piu Gomes, que promove o encontro entre Zé Celso e Zé Perdiz, proprietário de outro Teatro Oficina em Brasília:
E ainda a conversa que Piero Sbragia, Eduardo Escorel e Vanessa Oliveira mantiveram com os diretores de Máquina do Desejo em 2021:


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Carlos, adorei Zé(s), lindo filme, emocionante. Parabéns ao realizador e toda a equipe!