Sobre “Passagens” e “Raquel 1:1”

PASSAGENS

Paris é um perigo quando se trata de manter um compromisso conjugal. O cineasta Tomas (Franz Rogowski) e seu marido Martin (Ben Whishaw) estão lá instalados há alguns meses numa relação aparentemente tranquila. Até a noite em que Tomas se encanta com a jovem professora Agathe (Adéle Exarchopoulos) num clube. O caso lhe traz uma excitação inédita e vai além de um de seus flertes habituais, abalando então o casamento.

Passagens (Passages, que é também o título do filme que Tomas está concluindo) segue o figurino dos triângulos amorosos conturbados. Martin também encontra outro parceiro e mexe com os sentimentos de Tomas. Se descontarmos a questão dos gêneros, o que sobram são lugares-comuns sobre ciúme, instabilidade amorosa, tentativas de reconciliação, mágoa e rejeição. O desequilíbrio geral não é provocado por uma rede de fatores, mas apenas pelo temperamento autoritário e patético de Tomas em sua indecisão e em seus figurinos caricaturalmente gays. Isso simplifica bastante as coisas e deixa pouca margem de substância para os demais personagens, que só fazem reagir às vacilações de Tomas.

Outro problema do filme é a pouca química entre as personagens de Adèle e Rogowski, cuja súbita paixão não convence. Ainda mais quando transam sem tirar a roupa. Melhor é a cena de sexo entre os dois caras, que embora não seja explícita arrepiou os cabelos do público europeu. Mas onde Passagens fica razoavelmente sugestivo mesmo é nas sutilezas e na propriedade das interpretações do trio principal.

A colaboração entre o diretor estadunidense Ira Sachs e o roteirista brasileiro Mauricio Zacharias (Madame Satã, O Céu de Suely) tem sido fértil no que diz respeito a laços afetivos masculinos sendo colocados à prova por circunstâncias externas. Assim foram Deixe a Luz Acesa, O Amor é Estranho e Melhores Amigos. Passagens é um capítulo modesto desse casamento artístico.



RAQUEL 1:1 no streaming

Uma boa surpresa com Raquel 1:1, de Mariana Bastos.

A intolerância evangélica por um viés de contestação e suspense, na fronteira do filme de terror. A violência contra a mulher estaria incrustada na Bíblia e se refaz por novas formas de opressão, discriminação e subalternização.

Filme bem escrito, bem dirigido, bem fotografado e bem montado, elenco nos trinques, ambientação sonora eficaz (embora às vezes um pouquinho over) e um roteiro hábil em tomar caminhos intrigantes.

As citações da iconografia religiosa são particularmente interessantes.

Está nas plataformas Google Play e AppleTV.

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