Elis & Tom: um resgate emocionante

ELIS & TOM – SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ

É incrível que até dois anos atrás esse material extraordinário ainda estivesse inédito. Num estúdio de Los Angeles, em 1974, Jom Tob Azulay e o fotógrafo Fernando Duarte captaram a dinâmica trepidante entre Elis Regina e Tom Jobim enquanto gravavam o álbum magistral Elis & Tom.

Azulay tinha acabado de comprar uma câmera Frezzolini e um gravador de som Nagra IV, e dava os primeiros passos no cinema direto. Duarte e o produtor Roberto Oliveira acertaram a filmagem do encontro das duas estrelas. Azulay entrou com o equipamento, a direção, assistência de câmera e som. Por quase 50 anos os rolos ficaram guardados.

A relação entre Elis e Tom não era a princípio das melhores. Elis não gostava do Tom, embora o apreciasse artisticamente. Ele, por sua vez, achava o estilo dela exuberante demais para a sua música. A ideia de juntar os dois parecia uma coisa quase impossível.

Eram indícios disso o que as câmeras registravam habilmente, agregando comentários de Roberto Menescal, Hélio Delmiro e outros músicos, além do produtor e do engenheiro de som, o vaidoso Humberto Gatica.

O filme se estrutura basicamente em três partes: “antes”, que mostra a repercussão internacional de Tom e Elis, as gravações que eles já faziam na Europa e EUA: Tom com Sinatra, Ron Carter; Elis com Sacha Distel, Toots Thielemans. Wayne Shorter conta sobre o projeto de disco frustrado por causa de uma briga de Elis com seu namorado na época em que iam começar a gravar.

Em seguida, testemunhamos a gravação propriamente dita: a dupla em Los Angeles, a influência da cidade sobre o tom do filme e a dificuldade de Jobim em aceitar o fato de César Camargo Mariano (então marido de Elis) estar ali para fazer os arranjos. Um “novato” lhe tirava a oportunidade de influir mais ativamente nos arranjos. O clima ficou péssimo. Elis chegou a pensar em desistir, mas aos poucos os dois músicos foram se encontrando. O filme descreve esse arco da rejeição à compreensão, chegando mesmo a rolar uma espécie de namoro artístico entre Tom e Elis.

Por fim, vem o “depois”, principalmente para Elis. O encontro com Tom Jobim de alguma forma transformou o seu jeito de cantar, tornando-a mais calma, mais concisa e mais econômica. Na opinião de Menescal e outros, teria chegado à perfeição.

A par de todo esse processo de egos em conflito, o que temos ali é a qualidade inexcedível do material de 1974, que flagra momentos de intimidade, descontração e humor nos ensaios, nas brincadeiras deles cantando informalmente. Sem falar na excelência das canções, algo muito acima da Música Popular Brasileira de hoje.

O disco, afinal de contas, era da Elis. O Tom era o homenageado. O filme, de alguma maneira, também é mais sobre Elis, sua personalidade marcante e sua transição depois desse disco. É dela o rosto morto que vemos longamente no funeral, trecho que destoa um bocado da abordagem do filme. Mas Jom Tob Azulay e Roberto Oliveira nos deixaram, por fim, um resgate emocionante e que nos enche de orgulho.

7 comentários sobre “Elis & Tom: um resgate emocionante

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  3. Carlinhos, se vc tivesse estado em LA em 74 não teria reconstituído melhor como o LP e o filme foram gerados, parabéns, perfeição absoluta de jornalismo. É importante, como vc registra, atentar para o fato de que tudo isso foi possível porque empregávamos praticamente pela primeira vez na MPB a grande IA do momento que atendia pelo nome de cinema-direto (que qualquer celular hoje faz) e que consiste na captação da realidade audio-visual simultâneamente, tornando indissociáveis como faces da mesma moeda a imagem e o som. Isso permitiu que todo o som do filme fosse “direto”, tanto o que normalmente acontece nas cenas espontâneas de diálogos em que as pessoas falam e geram sons captados pela câmera e um microfone de um gravador, quanto as músicas tiradas diretamente da mesa de gravação e mixagem do LP para dentro do gravador. Ou seja, o som de Águas de Março ouvido no filme é nada menos que o primeiro take gravado da canção, o que nunca teremos certeza de ser o que ouvimos no LP. Obrigado por nos reviver esses momentos com tanta veracidade.

    • Puxa, Jomico, fico muito feliz com seu comentário – e ainda agradeço as informações complementares sobre o som direto. Parabéns uma vez mais por nos possibilitar “estar lá” junto com Elis e Tom.

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