É Tudo Verdade: Marcha sobre Roma

Mark Cousins é um convidado especialíssimo do É Tudo Verdade 2024. Seus filmes-ensaio, geralmente narrados por ele mesmo, vasculham a história do cinema, levantando temas, estéticas e questões sempre de grande interesse. Uma retrospectiva dos seus filmes está sendo exibida no festival e ele vai fazer uma palestra no Estação Net Botafogo hoje (11/4) às 17h. Comento a seguir o oportuníssimo Marcha sobre Roma. 

Violência, masculinidade, arte e religião – com esses componentes Mussolini dominou a Itália e impôs o fascismo. Em Marcha Sobre Roma (Marcia su Roma), Mark Cousins usa o cinema para investigar a gênese e a permanência dessa depravação política tão em voga hoje em dia. O cineasta e historiador inglês usa seu método habitual: cenas de muitos filmes e uma narração de sua própria voz, quase sussurrada, mas muito afirmativa.

Sua argumentação se apoia principalmente no documentário A Noi, sobre a marcha dos camisas negras de Nápoles a Roma e as viagens de Mussolini a Milão e Turim em 1922. Cousins disseca várias cenas do filme de exaltação fascista, apontando suas manipulações para multiplicar o número de manifestantes e deduzindo uma série de detalhes de maneira nem sempre muito convincente. Mas, no geral, Marcha Sobre Roma é fascinante como exegese de um filme de propaganda que mostrou “as feras saindo da floresta”, como compara Cousins.

O cine-ensaísta levanta traços que estavam por trás da ideologia fascista e personagens fundamentais da Itália da época, como o escritor dândi Gabriele D’Annunzio, o socialista Giacomo Matteotti e o futurista fascista Filippo Marinelli. Relembra os massacres promovidos por Mussolini na África e o apoio recebido dos maçons. Não livra a cara de tantos que na época glorificaram o fascismo, como até Sigmund Freud, que enviou um livro a Mussolini com a dedicatória para “um herói cultural”.

“Com amor se possível, com a força se necessário”, anunciava Il Duce, enquanto espalhava sua influência pela Europa. No front doméstico, tratava a massa como uma mulher a quem cabia ser seduzida e obedecer. A atriz Alba Rohrwacher participa em vinhetas no papel da opinião pública, a princípio fascinada pelas promessas do “Segundo César” e mais tarde desapontada com os rumos tomados pelo país.

Outros filmes entram na roda de Cousins para ilustrar a vida na Itália durante o fascismo, incluindo uma sequência deliciosa em que a dança aparece como antídoto contra o totalitarismo. Sua câmera rastreia vestígios da era mussoliniana na Roma de hoje. Um cinema restaurado em antigo prédio fascista traz um matiz de esperança numa época em que, 100 anos depois da Marcha sobre Roma, Donald Trump, Giorgia Meloni, Viktor Orban, Narendra Modi e Bolsonaro surgem como herdeiros diretos – e às vezes literais – de Mussolini. Não deu tempo para Cousins incluir Javier Milei. Quando o mundo parece enlouquecer, o cinema não consegue acompanhar o ritmo da realidade.

Nota: Sessenta anos antes do filme de Cousins, em 1962, Dino Risi dirigiu uma comédia picaresca intitulada A Marcha sobre Roma, na qual Vittorio Gassman e Ugo Tognazzi faziam uma dupla de pobretões preguiçosos que se juntavam aos camisas negras.

07/04/2024 às 14h30 – Cinemateca Brasileira (Sala Grande Otelo)
08/04/2024 às 19h00 – Estação Net de Cinema Rio (Sala 2)
12/04/2024 às 14h00 – Sesc 24 de Maio
12/04/2024 às 21h00 – Estação Net de Cinema Rio (Sala 2)

Deixe um comentário