Notas sobre os filmes MAESTRO(S) e UM DIA NOSSOS SEGREDOS SERÃO REVELADOS
Um drama de equívoco
Existe o gênero comédia de equívocos, em que o humor advém de enganos e informações falsas. Proponho para Maestro(s) o epíteto de um “drama de equívoco”. Um telefonema com destinatário errado provoca (mais) uma crise entre pai e filho, ambos maestros famosos.
O veterano François Dumar (Pierre Arditi), com uma carreira já coroada por muitos êxitos, vê com insatisfação a ascensão do filho, Denis Dumar (Yvan Attal). A disputa entre os dois remonta ao passado familiar e chega ao ápice quando um deles é convidado para assumir a direção do La Scala de Milão, pícaro da glória para qualquer regente.
A personalidade arrogante desses dois astros da batuta é delineada tanto por sua relação mútua, quanto pelo trato que dispensam aos músicos e a seus entes queridos. Denis tenta impor sua amante como primeira violinista da orquestra.
A história é inspirada no filme israelense Nota de Rodapé, de 2011, que tratava da rivalidade entre pai e filho, professores da Universidade de Jerusalém. Transplantada para o mundo da música clássica, essa batalha de egos ganha um colorido próprio e se beneficia de bons diálogos e de um elenco admirável. Ver Pierre Arditi contracenar com Miou-Miou e Yvan Attal é um grande prazer.
Para os conoisseurs, o filme pode soar um tanto cafona. O final feliz é um dos mais “arranjados” dos últimos tempos. Ainda assim, achei a partitura bem palatável e a direção de Bruno Chiche eficaz para um divertimento sem maiores compromissos.
Clichês do romance interetário
Duas coisas me despertaram um tênue interesse em Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados. Uma foi o contexto da Alemanha Oriental campestre em 1990, logo em seguida à reunificação da Alemanha: o impacto econômico causado pela súbita mudança, a perda de status daquela parte do país, a desintegração de famílias e a fascinação exercida pelo lado ocidental quando, enfim, a passagem estava liberada. Outro fator de interesse é a atuação de Marlene Burow num papel difícil que lhe exigia sutilezas a cada momento.
Marlene interpreta Maria, uma jovem de 19 anos que mora com o namorado e os futuros sogros longe da cidade. Enquanto o rapaz (Cedric Eich) dedica seus melhores momentos ao estudo de fotografia, ela sente uma atração irresistível por Henner (Felix Kramer), lobo solitário de 40 anos que vive numa casa próxima. Uma fagulha mínima entre os dois é capaz de acender todos os clichês do romance interetário: a busca obsessiva, os contatos sem palavras, a sedução recíproca em fogo lento antes de culminar em explosões de sexo selvagem.
Nada, porém, soa plausível porque os personagens são pobremente desenhados, assim como a progressão daquela paixão. Caso o filme não fosse dirigido por uma mulher, Emily Atef, e baseado no romance de outra, Daniela Krien, eu o veria como uma fantasia masculina de meia idade. Além disso, uma série de incongruências faz com que a relação clandestina permaneça em segredo mesmo depois que os sinais se tornam óbvios. O subtexto político, por sua vez, fica apenas no rascunho.
O título original, Irgendwann werden wir uns alles erzählen (Em algum momento contaremos tudo uns para os outros, em tradução literal) provém do romance Os Irmãos Karamazov, de Dostoievsky, um dos livros que Maria lê compulsivamente. A citação serve bem para lembrar a distância entre a grande literatura e o reles folhetim.
>> Maestro(s) e Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados estão nos cinemas.
Mai 2024


Sugestões anotadas, vou pesquisar para assistir.
Excelentes críticas!!!
Excelente leitor