FERNANDA YOUNG – FOGE-ME AO CONTROLE
Eu tenho que partir de uma ótica muito pessoal para falar desse filme. Eu não curtia Fernanda Young (1970-2019) até a noite da última terça-feira, quando assisti a Fernanda Young – Foge-me ao Controle na abertura da Mostra Faróis do Cinema. Ela me parecia egocêntrica, exibicionista, espaçosa – um pouco com a cara da televisão, que usa todos os artifícios para ser vista, bem no meio da sala, bem no meio da vida. Não que ela tenha deixado de me parecer aquilo mesmo, mas agora com várias outras camadas a enriquecer seu perfil. Resultado: saí do cinema apreciando Fernanda.
O documentário de Susanna Lira, usando somente falas, textos e poemas dela, consegue representá-la quase por inteiro. Não posso esquecer dos seus ataques a Lula e ao PT nos anos 2000, quando embarcou na canoa furada do mensalão e da Lava Jato. Mas ponho isso à parte para admirar sua postura como artista que fazia da dor uma ferramenta de inconformismo.
Fernanda era disléxica, asmática, depressiva. Foi estuprada aos 16 anos e se considerava inadequada para a sociedade. Tudo isso virou combustível para seus livros, performances e atitudes no meio artístico. O filme da Susanna (roteirizado por Beto e Bruno Passeri) seleciona trechos preciosos desses materiais para compor um retrato em que só a própria Fernanda e seus textos falam por ela. A dinâmica extraordinária da montagem de Ítalo Rocha (premiada no É Tudo Verdade), combinada com a trilha musical mutante de Flávia Tygel, produz um caleidoscópio que sugere perfeitamente a forma de Fernanda pensar e se expressar.
Louve-se, sobretudo, a pesquisa nos acervos sobre Fernanda e do “primeiro cinema”. Imagens criadas poe Maya Deren, Germaine Dulac, entre outras/os, inseminam o corpo do filme com as mulheres míticas do cinema. A anti-Monalisa FY nos chega num fluxo permanente de contrários, uma coreografia do feminino flamejante exposto em todo o seu lirismo e sua nudez.
Lá está a menina punk se irritando com as baboseiras do mundo. Lá está a mulher brega se desmanchando com um disco de Roberta Miranda. E também a metralhadora verbal que inspirou suas personagens na TV. E ainda a mãe, a esposa, a fã que chora com uma música da Madonna.
Por não ser uma biografia linear, convencional e baseada na alteridade, Fernanda Young – Foge-me ao Controle talvez acabe sendo um reforço a mais na iconografia desejada e alimentada por ela ao longo da carreira: a mulher irreverente e narcisista que tinha certeza de estar com a posteridade garantida. Pois que assim seja. Para seus fãs e também para os resistentes como eu, é uma trip arrebatadora.
>> Fernanda Young – Foge-me ao Controle está nos cinemas.



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