É Tudo Verdade: A Invasão

Sinais de vida na Ucrânia

Os 14 minutos iniciais de A Invasão (The Invasion) são ocupados por cerimônia fúnebre numa igreja ortodoxa. Vários ataúdes são carregados em cortejo silencioso para o interior do templo e depois para a praça central de Kiev (Maidan). Mais dois rituais do gênero pontuam outros trechos do filme, deixando claro que a morte é uma constante na guerra da Ucrânia.

Mas o filme de Sergei Loznitsa é antes uma crônica da vida. A vida que segue à margem do front. Ouvimos apenas uma explosão à distância e vemos os efeitos dos bombardeios sobre os edifícios destruídos e as aldeias dilapidadas. O resto é a observação paciente de como a população sobrevive ao medo e à penúria.

Afora a retórica patriótica ouvida aqui e ali (“Glória à Ucrânia! Glória aos heróis!), não há enaltecimento do militarismo, como em A Guerra de Porcelana, nem exposição bruta do horror, como em 20 Dias de Mariupol. Ao longo de dois anos, Loznitsa procurou captar sinais de vida. E nenhuma imagem do inimigo.

O povo coletando água ou em filas para comida; mães e pais cuidando de seus filhos recém-nascidos; um noivo fardado no seu casamento; crianças recebendo presentes de Natal ou lições de patriotismo na escola; homens e mulheres sendo treinados para as batalhas; a chegada de uma remessa de ajuda médica do exterior; uma academia de recuperação de mutilados de guerra; a meticulosa busca de minas para serem desativadas; os alarmes aéreos interrompendo o cotidiano e mandando as pessoas para os abrigos; o resgate de sobreviventes num prédio recém-bombardeado; o atendimento de feridos no hospital. Enfim, um painel da realidade que se esconde por trás das imagens mais cruentas da guerra.

O refúgio está nas celebrações religiosas e na procura de pequenas diversões que acalentem o espírito. Ou na resiliência demonstrada por uma trümmerfau que remonta uma parede em meio aos escombros (foto). Ou mesmo nos insultos dirigidos aos invasores russos. Isso, aliás, pode tomar a forma de descarte de milhares de livros russos para reciclagem. Um exorcismo cultural, digamos assim.

Loznitsa, nascido na parte da União Soviética que é hoje a Bielorússia, tem sido o principal documentarista da questão ucraniana, país no qual adotou a cidadania. Depois do épico Maidan e do ficcional Donbass, entre muitos outros filmes sobre a história da URSS e da Ucrânia, ele firmou um estilo baseado em vinhetas de alto poder sugestivo, seja em cinema direto, seja com materiais de arquivo. A Invasão segue esse modelo e já se estendeu numa série.

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