Liberdade interrompida
por Paulo Lima
As notícias da retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão, ocorrida em 2021, se perdem nas imagens da fuga em massa dos afegãos motivada pela volta do regime do Talibã ao poder. O documentário Escrevendo Hawa (Writing Hawa) se concentra num drama específico daquele período, vivido por uma matriarca, Hawa, e sua família, residente na capital Cabul.
Trata-se de um retrato intimista feito pela jornalista Najiba Noori, filha de Hawa, iniciado em 2019. O projeto foi interrompido com o retorno do Talibã. Najiba precisou fugir para Paris. Seu irmão Rasul deu continuidade às filmagens, mas por pouco tempo, até ser agredido e impedido pelos talibãs.
Ao longo de dois anos, Hawa passa por uma transformação. Ela evolui da condição de cuidadora em tempo integral do marido com demência e adota novas atitudes: aprende a ler e escrever, e busca desenvolver a habilidade de artesã, visando partir para um negócio próprio.
O filme de Najiba mostra a tomada de consciência da mãe, rumo à emancipação. Hawa vai a um salão de beleza, experimenta uma mudança no visual e se admira com as performances e a beleza de artistas mulheres que vê na TV, sem o uso da burca.
Com a câmera na mão, posta à altura dos rostos e explorando as tomadas em close, Najiba procura espelhar as inquietações de Hawa, fazendo intervenções pontuais que levam a mãe a revelar sua história: foi forçada a se casar com um homem 30 anos mais velho, embora amasse um primo. História diferente de Najiba, que pôde experimentar um grau maior de liberdade em relação à mãe, favorecida pelos novos ares sem a presença dos talibãs, cursando universidade e se dedicando a uma profissão.
A reviravolta política no Afeganistão pôs fim ao projeto de Najiba e interrompeu o sonho de liberdade de Hawa. Com recursos simples, tendo como estrutura a observação direta, Writing Hawa acaba por revelar a asfixia e a submissão impostas às mulheres pelo fundamentalismo dos talibãs.
Paulo Lima

