O espírito de um edifício
O edifício Copan é um dos símbolos da São Paulo moderna. Na imensa estrutura sinuosa projetada por Oscar Niemeyer, em 1.160 apartamentos, vivem desde 1966 mais de 5.000 moradores. Lojas variadas no térreo fazem um misto de prédio residencial e comercial. O Copan é um microcosmo, uma cidade dentro da cidade, por onde circulam pessoas de classes e idades distintas.
Uma delas é a artista visual gaúcha Carine Wallauer, que morou lá por sete anos. Ela estreia no documentário com esse passeio observacional por múltiplos espaços do edifício – onde, aliás, ainda mora a produtora Viviane Mendonça.
Copan é um antípoda do modelo consagrado por Eduardo Coutinho no seu Edifício Master. Ao contrário de sondar as subjetividades dos moradores em conversas, Carine opta por uma visão mais distanciada, que, no entanto, não tem nada de fria. Em planos geralmente longos e fixos, sua câmera (ela assina também a fotografia) espreita o dia a dia do prédio, entre moradores e funcionários, ora captando movimentos naturais da diversidade humana circulante, ora testemunhando pequenas performances de uma realidade encenada.
O documentário de observação está sempre a meio caminho da ficção, recorrendo com frequência a rotinas desempenhadas especialmente para a câmera. Carine opera nesse lusco-fusco entre o espontâneo (com câmera “invisível”) e a representação do cotidiano. Suas escolhas de tomadas são muitas vezes silenciosamente eloquentes ao insinuar a diversidade de experiências vividas em apartamentos e áreas coletivas. Uma sequência de dança com um faxineiro surdo é exemplar desse desejo de romper o naturalismo do documentário. Em certos momentos, Copan chega a assumir uma linguagem próxima do filme de terror, ecoando talvez as histórias de fantasmas que rondam pelo edifício.
O Copan é visto, de longe, como uma enorme colmeia humana encravada na selva de pedra do centro de São Paulo; e de dentro, como um organismo vivo em pleno funcionamento. As filmagens se deram em 2022, durante duas campanhas eleitorais paralelas. No país, Lula e Bolsonaro se enfrentavam nas urnas. No interior do prédio, o veterano síndico, já em seu 16º mandato, se candidatava à reeleição e enfrentava o descontentamento de alguns condôminos.
Essas disputas políticas trazem um componente de atualidade ao “retrato de edifício” e expõem a polarização que rachava o país naquele momento. Vemos as reações de petistas e bolsonaristas à vitória de Lula, assim como as discussões acirradas numa assembleia virtual de moradores para a eleição do síndico.
Copan tem um estilo de documentário pouco visto no cinema brasileiro, onde predomina o corpo a corpo direto com pessoas e assuntos. Ao invés disso, Carine Wallauer trabalha com as sugestões colhidas no quadro rigorosamente demarcado. Identifica-se mais com um modelo de documentário de observação praticado na Europa, e menos com os perfis de instituições realizados por Frederick Wiseman. O tecido sonoro muito sofisticado se combina com o visual que valoriza as composições e uma certa noção de suspense.


