Ecos e continuidade de um massacre
Pau d’Arco é um bravo trabalho de cinejornalismo investigativo de Ana Aranha, integrante da Equipe Repórter Brasil. Ela já havia atuado no cinema como produtora e roteirista do documentário Jaci – Sete Pecados de uma Obra Amazônica. Nesse novo filme, Ana documenta os ecos de um massacre ocorrido em 2017, quando a polícia civil matou dez trabalhadores sem terra entre os ocupantes da Fazenda Santa Lúcia, no município paraense de Pau d’Arco. Um massacre que não terminava ali.
O medo assustou muitas possíveis testemunhas, algumas das quais aparecem no filme sem que possam ser identificadas. Mas o lavrador Fernando dos Santos Araújo, homem gay carismático e sem papas na língua, preferiu não se calar. A diretora “cola” nesse personagem fascinante para sondar o espírito do assentamento nos anos de 2018 a 2021, em pleno governo do ex-presidente fascista. Fernando vive na apreensão de ser morto a qualquer momento.
O protagonismo é dividido com o jovem advogado José Vargas Júnior, que defende os ocupantes e expõe a si mesmo e a sua família aos riscos de quem confronta o latifúndio nesse farnorte amazônico. No curso do filme, Vargas consegue a suspensão de uma ordem de reintegração de posse e, mais adiante, chega a ser preso por conta de uma piada infeliz num áudio de whatsapp.
Ana Aranha tem alguma dificuldade em estabelecer um fio narrativo mais coeso na primeira metade do documentário. Sua insistência em filmar os pés das pessoas chega a ser curiosa. Mas, à medida que a investigação evolui e um evento trágico vem redobrar a pressão sobre os trabalhadores, o filme se apruma e conquista seu vulto. Além de dois bons personagens que humanizam a luta, Ana tem a garra de acessar coadjuvantes importantes, como o promotor e o advogado dos policiais assassinos, que tentam sustentar o insustentável. Ela assume o primeiro plano no ato final e, assim, honra o seu ofício com um filme de impacto.
Quero citar aqui a primeira estrofe da canção Assentamento, de Chico Buarque, que toca nos créditos finais:
“Quando eu morrer, que me enterrem
Na beira do chapadão
Contente com minha terra
Cansado de tanta guerra
Crescido de coração.”

