Notas sobre GRAND TOUR (no streaming) e BJÖRK: CORNUCOPIA (nos cinemas)
Um périplo de exotismos
Não me foi possível ser condescendente com esse filme. Miguel Gomes filmou um lote de exotismos na Ásia e depois inventou uma história que lhe permitisse usar o material. Assim é que Edward, funcionário da diplomacia britânica, sai da antiga Birmânia (hoje Mianmar) em 1918 rumo a Cingapura, depois, na atualidade, a Bangkok, Saigon, Manila, Osaka, Xangai e interior da China. Ele deixou para trás a noiva Molly, mas não temos a menor ideia do que está fazendo ou qual o objetivo das viagens. Aliás, é claro que o objetivo é dar margem às cenas colhidas pelo diretor nos diversos países: marionetes, teatro de sombras, lutas orientais, colheita de lótus, um urso panda, cidades, rios.
Não precisa que o ator esteja no local, pois uma narração poliglota (no idioma de cada país) vai contando a história dele, da forma mais tosca possível. Todas as cenas com atores foram filmadas em estúdio na Europa. Personagens de diferentes países conversam com os protagonistas (ingleses!) em português. As canastrices e as discrepâncias abundam, a câmera oscila permanentemente, a continuidade é algo a evitar.
As coisas melhoram um pouco quando Molly (Crista Alfaiate) entra em cena, ali pela metade. A boa atriz (com suas risadas espremidas) faz bem ao filme, que se apruma em termos técnicos e oferece os poucos bons momentos. Ao contrário de Edward que foge, Molly o segue obstinadamente. Ela refaz o trajeto anteriormente percorrido por Edward e lhe manda sucessivos telegramas. Como ela toma conhecimento de onde ele anda é um mistério. Os tempos ficam correndo em paralelo. Molly recebe proposta de casamento de um homem rico e gentil, mas insiste em encontrar o chatérrimo Edward.
Tudo me pareceu gratuito e desconexo, flagrantemente forjado a partir de ideias e materiais completamente díspares, ora em cor, ora em preto e branco. Se havia algum intuito de criticar o processo colonial, isso se perde na tolice predominante.
O crítico Inácio Araújo recomenda ver o filme duas vezes para melhor apreciá-lo. De minha parte, contento-me com a primeira.
Para os fãs incondicionais, uma entrevista de Miguel Gomes ao crítico Alysson Oliveira, aqui.
>> Grand Tour está nas plataformas Mubi, Amazon e AppleTV.
Uma Björk sem rosto
Entra em cartaz hoje, 7/5, o filme-concerto BJÖRK: CORNUCOPIA. Eu vi uma versão um pouco menor do que esta que vai para os cinemas. Parte da turnê homônima, o megashow foi gravado na Arena Altice, em Lisboa, razão pela qual Björk agradece em português. Com direção de palco da cineasta argentina Lucrecia Martel, o show é bem interessante visualmente, com uma psicodelia digital permanente nos telões, intensificada pelos cortes da montagem e as sobreposições do filme.
Björk explora a relação entre natureza, tecnologia e humanos numa profusão de metamorfoses com realidade virtual que criam seres fantásticos, entre os quais a própria imagem da cantora. Num dado momento, o show é interrompido por uma mensagem de Greta Thunberg sobre a necessidade de criarmos uma utopia para enfrentar a degradação do meio ambiente.
As flautistas se vestem e se comportam como faunos no palco. Björk, por sua vez, sempre de corpo inteiramente coberto por figurinos extravagantes ou um casulo, parece o oposto das cantoras que hoje vivem de exibir as carnes em cena. Nem mesmo o rosto da estrela nos é dado ver, já que está sempre coberto por máscaras. Na realidade, poderia ser qualquer outra mulher dublando sua voz ali.
Apesar da beleza plástica e das referências exóticas, confesso que o filme me aborreceu um pouco a partir de certo ponto. Björk parece ter escolhido as canções menos melódicas de seu repertório. Os atonalismos e as divisões esdrúxulas se repetiam como variações de uma mesma música. Sem legendas, tive muita dificuldade em entender a dicção amarfanhada da moça. Os fãs mais ardorosos vão aproveitar melhor do que eu.
>> Björk: Cornucopia está nos cinemas.


