Documentaristas e Humberto Mauro em livros

Dois grandes livros de referência saem da gráfica: MEMÓRIA DO CINEMA DOCUMENTÁRIO BRASILEIRO – HISTÓRIAS DE VIDA e HUMBERTO MAURO, CATAGUASES, CINEARTE

Conversas com documentaristas

Uma das boas fontes de pesquisa para quem estuda os documentários brasileiros têm sido as entrevistas realizadas pelo CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da Fundação Getúlio Vargas. Realizadas desde 2012 pelas pesquisadoras Adelina Cruz, Arbel Griner, Isabella Poppe e Thais Blank, essas conversas exploraram a trajetória de alguns dos/das mais importantes documentaristas do país.

Desse acervo, denominado “Memória do Cinema Documentário Brasileiro: histórias de vida”, 17 entrevistas estão disponíveis online, em vídeo e em transcrição, no site do CPDOC. Para ampliar ainda mais o acesso, acaba de sair em livro um primeiro volume com transcrições de trechos selecionados de 14 entrevistas. Os nomes contemplados são Ana Carolina, Andrea Tonacci, Eduardo Coutinho, Eduardo Escorel, Geraldo Sarno, Helena Solberg, Jean-Claude Bernardet, João Batista de Andrade, Joel Zito Araújo, Lucia Murat, Maurice Capovilla, Silvio Da-Rin e Vladimir Carvalho.

Todos e todas tiveram suas carreiras iniciadas nos anos 1960 e 1970, sob a égide de circunstâncias opostas: o Cinema Novo e a ditadura civil-militar. Daí que boa parte das conversas gire em torno desses dois polos, mas sem se prender a eles. Cada cineasta rememora sua entrada no cinema, sua participação em cineclubes e outros espaços de formação, seu itinerário até então e a eventual interferência do autoritarismo da época em suas vidas e trabalhos.

Na introdução, as organizadoras destacam o desafio de transformar entrevistas originalmente produzidas como histórias de vida, com encaminhamento cronológico e factual, em “entrevistas temáticas”, articuladas em torno da ditadura e do fazer cinematográfico durante aquele período, sem contudo empobrecer o conteúdo.

A leitura do livro, fluente e agradável, confirma o acerto da edição. Chega em boa hora, quando as ameaças autoritárias voltam a rondar o país e, por consequência, o cinema.

>> O livro está à venda no site da FGV Editora.          

Duas cachoeiras

Quando saiu a primeira edição em 1974, Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte mudou completamente os paradigmas até então vigentes de um livro de pesquisa sobre o cinema brasileiro. Paulo Emilio Salles Gomes, com sua mistura de erudição e humor, fazia um perfil impagável do chamado “pai do cinema brasileiro”. Dissecava as aproximações e contradições na formação de Mauro, da sua rural Cataguases, na Zona da Mata Mineira, à influência poderosa da revista Cinearte, no Rio de Janeiro.

De acontecimento em acontecimento, fase a fase, filme a filme, Paulo Emilio analisava o processo de criação de Mauro, as interações e atritos entre a província e a metrópole. Obras como Thesouro Perdido, Braza Dormida e Sangue Mineiro eram objetos de um estudo minucioso, iluminador, sem deixar de apontar as insuficiências do diretor. Um livro crítico de verdade, que virou modelo para quantos levassem adiante o ofício de escrevê-los.

A publicação da editora Perspectiva já se encontrava esgotada há décadas quando agora ressurge numa edição revisada, comentada e graficamente aprimorada pela Companhia das Letras. Com organização e posfácio de Carlos Augusto Calil, a nova edição tem 635 páginas, contra 475 da primeira. Foram acrescidos ensaios de Walnice Nogueira Galvão, Alfredo Bosi, Francisco Luís de Almeida Sales e Gilda de Melo e Souza.

O posfácio de Calil traz uma deliciosa rememoração da defesa da tese de doutorado de Paulo Emilio, que daria origem ao livro, na Faculdade de Filosofia da USP em 1972. Cito Calil: “Atmosfera de festa: um intelectual maduro, já consagrado, se submetia ao ritual acadêmico e recebia a chancela para ingressar no corpo docente da universidade”.

Esse belo volume reúne duas energias fundadoras da nossa cultura cinematográfica: o cinema raiz de Humberto Mauro e o pensamento rigoroso e fulgurante de Paulo Emilio. Duas cachoeiras.

>> O livro está nas livrarias.

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