O aristocrata do humor

O BRASIL QUE NÃO HOUVE – AS AVENTURAS DO BARÃO DE ITARARÉ NO REINO DE GETÚLIO VARGAS no Canal Curta!

por Paulo Lima

Um nome como Aparício Torelly só podia ser mesmo uma aparição. Mas foi com um codinome, Barão de Itararé, que esse gaúcho autoproclamado “um herói de dois séculos”, pois nasceu em 1895 e bateu as botas em 1971, entrou para a história do humor brasileiro.

Ele ainda assinou durante algum tempo como Aporelly,  mas foi o autoconcedido e gozador título aristocrático que o conduziu pela vida afora. E que vida, agora contada no documentário O Brasil que não Houve – as Aventuras do Barão de Itararé no Reino de Getúlio Vargas.

Com roteiro de Renato Terra e Arnaldo Branco e narração de Gregório Duvivier, o documentário dá uma repaginada na história do Barão através de uma narrativa esperta e moderninha, marcada por uma linguagem visual ágil e texto pra lá de espirituoso, em que sobressai a leitura irônica e galhofeira de Gregório.

A história do Brasil é tratada em tom de sátira, despida da sisudez do terno e da gravata. O humor do Barão de Itararé surfa na primeira metade do século passado, em meio ao fim da República Velha, aos governos de Getúlio Vargas e às revoluções de 30 e 32, entre outras páginas infelizes da nossa história.

O documentário se vira nos trinta para dar conta de um personagem múltiplo como o Barão, genial, prolífico e anárquico, um gênio do humor mordaz, cujos ditos se incorporaram à linguagem cotidiana.

É de algumas dessas frases que se vale o documentário, num esforço de pesquisa tipo garimpar agulha no palheiro, tamanha a dimensão da produção do Barão, espalhada por textos, mínimas e máximas, publicados no jornal A Manha, que criou e pilotou sozinho – um contraponto humorístico ao jornal A Manhã, da época, no qual atuou.  E também nos três Almanhaques que organizou e publicou em 1949 e 1955.

Uma de suas frases mais famosas reflete os riscos que o Barão corria como crítico dos poderosos, numa época em que fazer rir significava correr risco de vida. Por suas vergastadas cômicas contra Getúlio Vargas, foi preso e apanhou da polícia política. Respondeu com sua maior arma, o humor. Mandou fixar na porta do seu escritório a frase “Entre sem bater”.

Não sem razão, o documentário atribui ao Barão de Itararé o papel de influencer, tamanha a popularidade de que gozou na sua época. Também de precursor do stand-up. E confere às suas frases o pioneirismo dos memes impressos.

Embora se diga que o humor viaje mal no tempo, pois as piadas perdem o sentido se retiradas do contexto histórico no qual foram produzidas, a genialidade de Aparício Torelly mantém sua atemporalidade, em tiradas que se misturaram na fala cotidiana, como estas, citadas no documentário:

“O que se leva dessa vida é a vida que a gente leva.”
“Além dos aviões de carreira, há qualquer coisa no ar.”
“De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.”

Por minha conta, ofereço um Barão plus, com mais algumas frases extraídas do livro Máximas e mínimas do Barão de Itararé, que pode ser encontrado nos melhores sebos da praça:

“Mais vale um galo no terreiro do que dois na testa.”
“Com dinheiro à vista toda a gente é benquista.”
“Os juros são o perfume do capital.”
“O cão é o amigo mais fiel do homem, depois da pulga e do percevejo.”

Mas a genialidade do Barão se estendia para além dos “memes impressos”. Havia seus textos, revelando um fino estilista, ainda que Aparício Torelly fosse um sujeito rotundo. Eis a breve definição que fez de si mesmo, num de seus Almanhaques:

“Há quem afirme que Itararé é o Bernard Shaw do Brasil. Mas esta comparação é irritante e impertinente. De fato, Shaw é magro e Itararé é gordo. Aquele é vegetariano e este é onívoro.”

Eis o Barão de Itararé, finalmente apresentado pelo documentário de Renato Terra e Arnaldo Branco ao grande público atual (ainda que nem sempre público grande). Um humorista que de fato houve, num país que não houve.

Paulo Lima

>> O Brasil que não Houve estreia no Canal Curta nesta sexta-feira, 22/10, às 22 horas.

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