Elogio à sobrevivência

STRANDED – VENHO DE UM AVIÃO QUE CAIU NAS MONTANHAS

Os aspectos mais polêmicos e sensacionalistas da história do vôo F-227 já foram sobejamente explorados em filmes de reconstituição como Os Sobreviventes dos Andes, de René Cardona Jr. (México), e Vivos, de Frank Marshall (EUA). O uruguaio Gonzalo Arijón, amigo de vários sobreviventes e tão conhecedor do episódio a ponto de ser chamado de “o 17º sobrevivente”, resolveu fazer uma versão nobre em Stranded – Venho de um Avião que Caiu nas Montanhas.

O filme, como tudo o que se refere àquele caso, causa impacto e nos confronta com pensamentos extremos. Venceu o festival IDFA de Amsterdã e furou a barreira dos circuitos comerciais em boa parte do globo, em função não só do tema como principalmente da qualidade cinematográfica. Quase dois terços do que se vê são encenações que mais sugerem do que “mostram” os acontecimentos dos 72 dias de inferno na neve. É como se alguém estivesse presente com uma câmera Super 8, morrendo de frio, perdendo o foco e o prumo das imagens, embora com um controle estético do erro assinado por Cesar Charlone.

A maneira sóbria com que aqueles ex-jogadores de rugby recordam mais uma vez os fatos e decisões difíceis que tiveram que tomar em 1972 é fruto de um distanciamento apenas relativo. A longa incerteza sobre a possibilidade de resgate, as perdas humanas in loco e a situação extrema de comer carne de amigos para sobreviver criaram laços muito profundos entre eles e com as famílias dos que não puderam voltar. Ninguém se liberta completamente dos ecos de uma experiência como aquela – e isso é um objeto de culto que o espectador de Stranded é levado a partilhar.

É perturbador pensar que um pouco dessa sensação está disponível a quem quiser comprar o tour “Andes Survivors” da Alpine Expeditions. Por 4.300 dólares exceto passagens aéreas, o sobrevivente Eduardo Strauch (personagem do filme) leva você pessoalmente ao local da tragédia e explica tudo o que se passou ali. A agência destaca que experiência de montanhismo não é requisito necessário.

Arijón fez a viagem, mas a milhas de distância espiritual de qualquer turismo. Foi até lá com um grupo de sobreviventes, atento à emoção que ainda aflora depois de tanto tempo. A maior parte dos depoimentos, porém, foi tomada ao ar livre em Montevidéu. Os personagens estão bastante conectados com o sentimento da memória. Suas falas são editadas em blocos curtos, com uso dramático do ritmo e das características sonoras. O design de som de Fabián Oliver é em boa parte responsável pelo poder de sugestão do filme. As cenas da reconstituição foram rodadas em sua maioria numa praia de dunas perto da capital uruguaia.

Stranded é boa demonstração de como um assunto super-exposto pode ganhar nova dimensão mediante um tratamento digno e um artesanato insinuante. Mesmo sem escamotear os pormenores mais dramáticos do fato, o filme põe em primeiro plano a dimensão filosófica e o legado humano de uma convivência tão íntima com o espectro da morte.

3 comentários sobre “Elogio à sobrevivência

  1. Pingback: Sobreviventes, Deus, cães e um intruso na elite | carmattos

  2. Olá Tania, infelizmente no Brasil tampouco não saiu o DVD com legendas em português. É uma triste lacuna no nosso mercado. Eu mesmo me empenhei junto a algumas distribuidoras para que lançassem, mas não tive sucesso.
    Abraços, Carlos

  3. Olá bom dia!

    Eu sou completamente fã destres 16 acho que a força do Amor relmente supera tudo até a morte!

    Eu queria muito ver este filme mas em Portugal não existe…. no youtube só há com a fala em espanhol e as legendas em Inglês… sabe onde e como asistir este filme com legendas escritas em Português?

    Obrigada

    Tânia

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