Futebol american way

A bola já está rolando, o Cinefoot já rolou, e eu vou falar um pouco de futebol. No avião de volta de Madri, assisti a um documentário – lançado diretamente em DVD no Brasil – que conta a história do Cosmos de Nova York. O título brasileiro de Once in a Lifetime, O Mundo a seus Pés, refere-se a Pelé, o astro do filme e do time que quebrou o tabu do futebol nos EUA.

A rigor, o doc de Paul Crowder e John Dower trata menos de soccer que de business. A “extraordinária história do New York Cosmos” é contada como um empreendimento, ou melhor um capricho de três magnatas da Warner Communications que resolveram diversificar com ousadia nos anos 1970. Os empresários que bancaram o Cosmos não sabiam o que era uma cabeçada nem quem era esse tal de Pelé. Mas tinham dinheiro de sobra para comprar o mundo e saíram comprando. A investida em busca do passe de Pelé é contada como uma saga econômico-política. O advogado que acabara de contratar Dustin Hoffman para filmar Todos os Homens do Presidente foi despachado para o Brasil com uma oferta de 2 milhões de dólares. Pelé pediu 5. Fecharam em 4,5 milhões, mas só conseguiram levá-lo depois que Henry Kissinger entrou em campo para convencer o governo brasileiro a cedê-lo por dois anos.

Pelé aparece no filme ao som de Nessun Dorma, de Puccini. O futebol precisava ser explicado aos americanos como se fosse uma espécie de ópera, um grande espetáculo em dois atos para ser visto com apenas um intervalo. Esporte, para eles, era uma coisa cheia de interrupções para cerveja e salgadinhos. Não tinham paciência para acompanhar um fluxo de 45 minutos. Pelé chegou como um valor não só de técnica, mas de mídia, grife e investimento. Para que o esporte se estabelecesse, era preciso cativar as televisões e os fabricantes de quinquilharias. Já na primeira coletiva do rei, os jornalistas estavam convertidos em torcedores. Nos primeiros jogos, os companheiros de equipe tinham vontade de parar para ver Pelé jogar. Um torcedor aparece dizendo: “Vim ao estádio porque o cara vale 4 milhões. Eu tinha de vê-lo!”. 

O Cosmos incendiou paixões, justificou a construção de um novo estádio, forjou a americanização dos jogos (shows no intervalo, mini-games para eliminar empates), virou motivo de festas com celebridades no Studio 54. Essa história toda é contada com estética de filme blaxploitation: ritmo funkado, telas divididas, tudo muito splash. A narração é de Matt Dillon. Uma ótima sacada é utilizar certos tipos de jogada como metáfora dramática para o que está sendo narrado. Bolas na trave, por exemplo, para sublinhar um momento de crise. O roteiro segue as etapas do modelo folhetinesco. À fase de afirmação segue-se a de crescimento. O Cosmos contrata craques do mundo inteiro, chegando a entrar em campo sem um único jogador americano. Compraram, entre outros, Beckenbauer, Carlos Alberto e aquele que viria a ser o pivô do terceiro ato: o artilheiro italiano Giorgio Chinaglia. A influência de Chinaglia sobre o fundador do clube, Steve Ross, somada ao seu temperamento arrogante e agressivo, faz dele o antagonista perfeito do bem-comportado Pelé.

Se o brasileiro dominou os anos de ouro do Cosmos, o italiano deu as cartas durante o período de decadência, já nos 80. Nenhum depoimento ajuda a entender como um clube, e por conseguinte todo o soccer, despenca do topo da popularidade e praticamente morre por não conseguir um contrato com a TV. É o esporte american way. A tese do filme é que as sementes plantadas pelo Cosmos germinaram no atual status do futebol nos EUA. A seleção americana vem disputando Copas do Mundo desde 1990 e teve desempenhos bastante competitivos em 1994 e 2002. Ocupa o 14º lugar no ranking da FIFA.         

Vale a pena alugar O Mundo a seus Pés para um intervalo entre os jogos da Copa. O filme é bem consumido como uma biografia de astro de Hollywood, modelo em que se inspira. O assunto é o Cosmos, mas a estrela é Pelé. Ou melhor, o futebol brasileiro, mostrado como o maior espetáculo da terra. Pelé só aparece em (muitas) cenas de arquivo. Nos créditos finais, a informação de que o rei não concordou em ser entrevistado vem com um som explicativo: o de uma caixa registradora. Deduz-se que a verba do filme, ao contrário da do clube, era limitada.   

4 comentários sobre “Futebol american way

  1. Um pena que não tenha mais para vender. Não conhecia o doc e fiquei interessadíssimo. Muito bom seu texto. De fato, a ida de Pelé para o Cosmos envolveu um lance de política externa. Estava em curso, na época, uma operação diplomática para aproximar o Brasil dos Estados Unidos. Kissinger e Nixon foram dois dos principais protagonistas nessa missão. A história toda está contada no excelente livro “Kissinger e o Brasil”, de autoria de Matias Spektor, recém-lançado pela Zahar.

    Por falar em futebol, existe, na minha opinião, uma grande lacuna na filmografia sobre nossas conquistas boleiras. Falta um doc sobre aquele wunderteam de 1970. Alguém se habilita a fazê-lo?

  2. Eu tenho procurado esse filme que nem um louco e não consigo encontrá-lo. Em época de Copa do Mundo eu sempre me lembro do filme Fuga para a Vitória, do John Houston (com o Pelé, Sylvester Stallone, Michael Caine e aquela galera de detentos jogando contra o time dos guardas, cujo chefe era o Max Von Sidow).

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