Romeu e Julieta nas ruínas

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Todos em Hollywood sabiam que esse remake do clássico de 1961 seria uma missão complicada. Havia queixas quanto à estereotipagem de portorriquenhos, ao uso de maquiagem para escurecer suas peles e à escalação de Natalie Wood para o papel da “latina” Maria. Por outro lado, havia a convicção de que o filme de Robert Wise e Jerome Robbins era técnica e artisticamente inexcedível, e qualquer refilmagem estaria fadada a ser inferior.

Spielberg aceitou os desafios. Trouxe a colombiano-americana Rachel Zegler para viver Maria e equalizou os estereótipos, fazendo os Sharks caucasianos tão “exóticos” quanto os rivais. Para dar um verniz de modernidade, figurou o West Side como um parque de ruínas do processo de gentrificação que mudou a cara de Nova York no final dos anos 1950. O Lincoln Center estava sendo construído no lugar dos escombros do bairro demolido. Ambas as comunidades padeciam da perda de seus territórios, o que intensificava as hostilidades recíprocas.

A nova versão é bem mais violenta que a anterior. As brigas têm muito sangue, a tentativa de estupro de Anita pelos Sharks é muito mais brutal, e toda a montagem visual e sonora do filme é marcada pelos impactos da agressividade. Isso só faz realçar a suavidade dos poucos momentos românticos entre Tony e Maria. A velha estética dos musicais de estúdio hollywoodianos é revisitada sem disfarces, com direito a telões pintados e efeitos de luz e sombra só possíveis com o controle total dos cenários interiores.

Tecnicamente, Spielberg e o coreógrafo Justin Peck não ficam atrás de Wise e Robbins. As danças coletivas são arrebatadoras, mantendo fidelidade ao sentido do original mas adicionando megawatts de energia. No conjunto, a sequência de I Feel Pretty na loja de departamentos me pareceu um tanto aquém da inventividade geral. Senti ainda que o filme sempre cai um pouco quando passa à dialogação sem música. De minha parte, não vi muita química entre Ansel Elgort – que lembra o Marlon Brando jovem – e Rachel Zegler nos papéis centrais. O que os resgata é a qualidade de músicas como Maria e Tonight, nas quais as melodias de Leonard Bernstein e as letras de Stephen Sondheim se abraçam como amantes apaixonados.

A produção teve que enfrentar o mal-estar causado por uma denúncia de abuso sexual contra Ansel Elgort em 2014. Não havia mais tempo de mudar. Em contrapartida, uma decisão comovente foi trazer Rita Moreno (a Anita de 1961, agora desempenhada por Ariana DeBose) como consultora e escalá-la no papel reinventado de dona da drogaria. Fazê-la cantar Somewhere no lugar do casal foi um tributo a sua permanência após 60 anos. Intervalo suficiente para a gente querer voltar a West Side Story com esse olhar novo e antigo ao mesmo tempo.

>> Amor, Sublime Amor (West Side Story) está na plataforma Disney Plus.

2 comentários sobre “Romeu e Julieta nas ruínas

  1. Pingback: Oscars: o que escrevi sobre os indicados | carmattos

  2. Em boa hora Hollywood revisita “West Side Story”, que revimos no palco do Palace Theatre, na Broadway, em 2009. Mas achamos difícil superar o carisma dos astros da versão da fita de 1961, dirigida por Robert Wise e Jerome Robbins, onde tudo beira a perfeição. Aguardemos para conferir essa nova versão, Carlinhos. Obrigado pelo informe. Abração.

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