Festival do Rio 2023: Black Rio! Black Power! e Yãmî Yah-Pá – Fim da Noite

A ginga do orgulho negro

Um caminhão desova grandes caixas de som que vão formar um “paredão” no Grêmio Social e Recreativo Rocha Miranda, Zona Norte do Rio de Janeiro. Não, não vai começar mais um baile soul naquele antigo “templo” do gênero. É somente o cenário para as entrevistas que vão compor Black Rio! Black Power!¸do documentarista Emilio Domingos. Ali vão se sentar personagens icônicos como Dom Filó, Carlos Dafé, Carlos Alberto Medeiros e outres. Ao final do filme todos vão surpreender o público com o que ainda dizem no pé e na ginga.

Com esse filme, Emilio Domingos estende seu painel antropológico da cultura negra brasileira, já abordada pelos vieses da dança (A Batalha do Passinho), do cabelo (Deixa na Régua) e da moda (Favela é Moda). Em foco agora o movimento Black Rio, nascido nos bailes soul das Zonas Norte e Oeste da cidade e responsável por um novo impulso na identidade positiva dos negros brasileiros.

O assunto já fora vasculhado recentemente por Trem do Soul, de Clementino Júnior, e Baile Soul, de Cavi Borges. Daí que, para quem viu esses dois filmes, muito do que se ouve em Black Rio! Black Power! pode soar redundante. Em todo caso, uma maior repercussão do doc de Emilio Domingos pode vir a lhe dar maior efetividade.

Lá estão os relatos sobre as influências do movimento negro estadunidense, dos filmes de blaxploitation tipo Shaft, da música de James Brown e do estilão Black Power. Tudo isso trazia um visual e um gestual que inspiravam empoderamento e auto-estima entre os blacks cariocas. Os participantes do documentário repassam o imaginário dos bailes soul: os sapatos de vários andares, a ginga característica, os amassos na hora das músicas lentas, a “coroa” dos cabelos afro que afrontava a estética branca dominante.

Politicamente, a galera do soul representava uma ameaça para o sistema policial em época de ditadura militar. O filme resgata um relatório do DOPS que alerta para a uma “luta racial entre brancos e pretos” supostamente em gestação. Era mais uma faceta da discriminação que desde sempre constitui a sociedade brasileira.

Mas o movimento resistiu enquanto pôde. Do entretenimento passou à consciência política e à construção de um mercado para grupos como Soul Grand-Prix, Cashbox, Furação 2000 e a Banda Black Rio. Não resistiu ao tempo e ao advento da disco music “branca” e à reação da mídia tradicional. Mas seus remanescentes reivindicam a paternidade de uma linha evolutiva resultante no hip hop atual, assim como a origem da afirmação dos negros no Brasil de hoje.

Outra discussão importante é quanto à acusação de que o movimento soul seria colonizado por incorporar referências e músicas dos EUA em detrimento do samba e de expressões mais autóctones. “Uma rivalidade inexistente”, garante o articuladíssimo Carlos Alberto Medeiros. De fato, se tomarmos o ponto de vista modernista da antropofagia, o resultado era brasileiríssimo.

Black Rio! Black Power! se ressente um pouco da preponderância de cabeças falantes e fotografias, que o torna bastante convencional. Em compensação, oferece um dossiê arguto e abrangente de um momento definidor do orgulho negro entre nós.

11/10/2023 – Estação NET Gávea 4 – 19:15
11/10/2023 – Estação NET Gávea 5 – 19:15
12/10/2023 – Cine Odeon – CCLSR – 13:30

Jornada entre ruínas

O curta de ficção Yãmî Yah-Pá – Fim da Noite, de Vladimir Seixas, faz uma aproximação bastante peculiar à questão da memória indígena. A atriz Rosa Peixoto, da etnia tariano do Amazonas, encarna uma indígena desgarrada de seu povo originário. Ela vem de perder uma filha, e no seu luto vagueia por uma paisagem pós-apocalíptica. Por intermédio de um radio amador, tenta refazer contato com sua aldeia, mas nada indica que terá sucesso.

Essa deambulação entre ruínas do mundo branco se faz em chave um tanto enigmática, com toques de ficção futurista. A jornada da moça, entre a água e o fogo, parece ter um só rumo: suas próprias lembranças de uma espécie de vida passada – a vida na aldeia.

As locações são impressionantes, especialmente por se beneficiarem da fotografia virtuosística de Bento Marzo. Um curta poético, intrigante e esteticamente marcante.

11/10/2023 – Estação NET Gávea 1 – 18:30
11/10/2023 – Estação NET Gávea 3 – 18:30
12/10/2023 – Estação NET Rio 5 – 16:30

>> Veja todas as minhas resenhas do Festival do Rio 2023

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