Talvez seja Martha Alencar quem melhor caracterize sinteticamente Leonel de Moura Brizola, de cujo governo no Rio foi coordenadora de Comunicação Social: “Todo contato político que eu tinha era através de uma teoria. E aí chega um cara que começa a falar do povo brasileiro como pessoas”. Martha é uma das participantes do documentário Brizola, perfil da vida pública de um dos mais aguerridos políticos brasileiros. Como líder popular entre nós, Brizola só perde para Getúlio Vargas, que o antecedeu, e por Lula, que de alguma forma pegou o seu bastão.
O diretor Marco Abujamra já abordou em filmes as trajetórias de Jards Macalé, Mário Lago, Paulo Autran e Luís Melodia. Ao se debruçar sobre o gaúcho Brizola, ele construiu uma cinebiografia sujeita às convenções do gênero: trechos de entrevistas do biografado, depoimentos de colaboradores e conhecedores, cenas de arquivo em abundância, narrativa cronológica, uma ou outra inserção musical. Dessas últimas, a mais estranha é um tema recorrente de Philip Glass que aparece até em cenas da construção dos CIEPs.
Ainda que não traga nada de novo em matéria de elaboração fílmica e apresente problemas sérios de mixagem sonora (pelo menos na cópia a que tive acesso), Brizola é um trabalho útil sobretudo para jovens que desconhecem o papel desse bravo lutador pelas causas populares.
Na hábil montagem de Paulo Henrique Fontenelle, acompanhamos desde as origens rurais de Brizola, sua entrada no trabalhismo com Vargas, as primeiras iniciativas estatizantes no governo do Rio Grande do Sul. Começava sua fama de “comunista” e “radical”, que iria lhe garantir a ira das elites brasileiras. A resistência que organizou pela posse do cunhado João Goulart em 1961 não o impediu de mais tarde se mostrar crítico a escolhas de Jango.
Exilado após o golpe de 1964, flertou com a guerrilha antes de se estabelecer como produtor rural no Uruguai por dez anos, no que ele chamou de uma “agroterapia”. (Confiram a história do rompimento com Jango, que consta também no filme Jango no Exílio). Marcado para morrer pela Operação Condor, estendeu o exílio aos EUA e a Portugal, onde se aproximou da Internacional Socialista.
De volta de 13 anos de exílio (o mais longo de um político brasileiro), Brizola perdeu a sigla PTB, criou o PDT e foi eleito para o governo do Rio apesar da fraude da Procunsult/Globo. Roberto Marinho era então seu inimigo público nº 1. No Rio, criou os CIEPs, tema que rende um dos melhores momentos do documentário: Brizola engolindo FHC numa discussão sobre o custo da educação. O que viria mais adiante, a partir da eleição de Moreira Franco, é o que Nilo Batista comenta com pesar: “O Rio de hoje é a derrota do brizolismo”.
Entre loas à integridade política de Brizola e considerações sobre o “socialismo moreno”, o filme não se esquiva de enfocar o que talvez tenha sido o maior erro do gaúcho: voltar-se contra o impeachment de Fernando Collor em 1990, uma vez que o vinha apoiando em troca da implantação do projeto dos CIACs. (Houve aqui uma correção do que constava anteriormente: Brizola não apoiou Collor no segundo turno de 1989. Ao contrário, subiu ao palanque do Lula. Agradeço a Toni Venturi pelo alerta).
Brizola é um retrato honesto, apesar de avançar pouco além do que já é bem conhecido. No entanto, dado o parco conhecimento histórico das novas gerações e a nuvem cinzenta do ultraconservadorismo que nos ensombra hoje em dia, vale torcer para que esse filme circule para além da bolha dos documentários.


Gostaria de relatar outro fato conhecido de pouca gente .
No primeiro debate ( globo ou band ), Brizola visionário como era, propôs a todos os candidatos democráticos que abdicassem de suas candidaturas, em prol de Mário Covas, pois seria o único nome nacionalmente conhecido, capaz de vencer o Collor.
E na próxima Brizola ainda aceitou ser candidato a vice de Lula. ( ato nobre e elegante , a meu ver, de um político que que pensava na educação e na questão agrária como programas ou projetos para mudar o país)
Prezado Carlos Alberto, boa noite.
Segue um link para um artigo sobre Brizola, de minha autoria, para caso tenha interesse em ler. Abraço, Carlos Frederico Alverga.
https://jus.com.br/artigos/19907/leonel-brizola-um-perfil-biografico
Agradeço sua gentileza, Carlos Frederico. Estou lendo o artigo com muito interesse. Um abraço
Boa noite, gosto muito das suas análises e dicas de filmes no 247, mas no que se refere ao Brizola, devo esclarecer que ele apoiou fortemente Lula no segundo turno da eleição de 89, inclusive a transferência de votos foi muito grande no segundo turno no RJ e no RS. Quanto a Collor, o que ocorreu foi que Brizola optou por ter um relacionamento institucional de colaboração e cooperação com o Governo Federal depois que se elegeu Governador pela segunda vez no RJ em 1990, e isso em prol, em benefício da população carioca e fluminense. Espírito público de cooperação institucional acima das divergências políticas e partidárias. E Brizola estava certo, houve benefícios para o Rio, a construção da Linha Vermelha e de 3 escolas federais de tempo integral. Quanto ao impedimento, Brizola na verdade defendeu uma apuração isenta e imparcial dos fatos, o que é diferente de ter apoiado Collor, mas, infelizmente ele foi mal interpretado. No final orientou a bancada federal do PDT a votar a favor do impedimento e assim ocorreu. Abs, Carlos Frederico Alverga
Agradeço seus comentários pertinentes, Carlos. Eu já havia corrigido a informação equivocada sobre o apoio a Collor na eleição. Quanto ao impeachment, por muito tempo ele criticou o pedido enquanto o país clamava por isso, o que não pode ser negado. Um abraço.