A ginga do orgulho negro

BLACK RIO! BLACK POWER!

Um caminhão desova grandes caixas de som que vão formar um “paredão” no Grêmio Social e Recreativo Rocha Miranda, Zona Norte do Rio de Janeiro. Não, não vai começar mais um baile soul naquele antigo “templo” do gênero. É somente o cenário para as entrevistas que vão compor Black Rio! Black Power!, do documentarista Emilio Domingos. Ali vão se sentar personagens icônicos como Dom Filó, Carlos Dafé, Carlos Alberto Medeiros e outres. Ao final do filme todos vão surpreender o público com o que ainda dizem no pé e na ginga.

Com esse filme, Emilio Domingos estende seu painel antropológico da cultura negra brasileira, já abordada pelos vieses da dança (A Batalha do Passinho), do cabelo (Deixa na Régua) e da moda (Favela é Moda). Em foco agora o movimento Black Rio, nascido nos bailes soul das Zonas Norte e Oeste da cidade e responsável por um novo impulso na identidade positiva dos negros brasileiros.

O assunto já fora vasculhado recentemente por Trem do Soul, de Clementino Júnior, e Baile Soul, de Cavi Borges. Daí que, para quem viu esses dois filmes, muito do que se ouve em Black Rio! Black Power! pode soar redundante. Em todo caso, uma maior repercussão do doc de Emilio Domingos pode vir a lhe dar maior efetividade.

Lá estão os relatos sobre as influências do movimento negro estadunidense, dos filmes de blaxploitation tipo Shaft, da música de James Brown e do estilão Black Power. Tudo isso trazia um visual e um gestual que inspiravam empoderamento e auto-estima entre os blacks cariocas. Os participantes do documentário repassam o imaginário dos bailes soul: os sapatos de vários andares, a ginga característica, o amasso na hora das músicas lentas, a “coroa” dos cabelos afro que afrontava a estética branca dominante.

Politicamente, a galera do soul representava uma ameaça para o sistema policial em época de ditadura militar. O filme resgata um relatório do DOPS que alerta para a uma “luta racial entre brancos e pretos” supostamente em gestação. Era mais uma faceta da discriminação que desde sempre constitui a sociedade brasileira.

Mas o movimento resistiu enquanto pôde. Do entretenimento passou à consciência política e à construção de um mercado para grupos como Soul Grand-Prix, Cashbox, Furação 2000 e a Banda Black Rio. Não resistiu ao tempo e ao advento da disco music “branca” e à reação da mídia tradicional. Mas seus remanescentes reivindicam a paternidade de uma linha evolutiva resultante no hip hop atual, assim como a origem da afirmação dos negros no Brasil de hoje.

Outra discussão importante é quanto à acusação de que o movimento soul seria colonizado por incorporar referências e músicas dos EUA em detrimento do samba e de expressões mais autóctones. “Uma rivalidade inexistente”, garante o articuladíssimo Carlos Alberto Medeiros. De fato, se tomarmos o ponto de vista modernista da antropofagia, o resultado era brasileiríssimo.

Black Rio! Black Power! se ressente um pouco da preponderância de cabeças falantes e fotografias, que o torna bastante convencional. Em compensação, oferece um dossiê arguto e abrangente de um momento definidor do orgulho negro entre nós.

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