Um deleite para avós e netos

SEU CAVALCANTI, em cartaz a partir de 11 de setembro

No limiar entre o documentário e a ficção, entre pessoa e personagem, o senhor Severino Cavalcanti é um galante conquistador de plateias com esse filme feito por seu neto, Leonardo Lacca, ao longo de 14 anos e para além. Não seria assim se o diretor se limitasse a registrar o cotidiano de um idoso cheio de peculiaridades. O que faz as delícias de Seu Cavalcanti é a construção de um retrato imaginativo a partir das potencialidades do protagonista.

Entre os oitenta e tantos e os noventa e tantos anos, Seu Cavalcanti curtia a aposentadoria da Polícia Civil pernambucana junto à filha Tereza e ao neto munido de câmera. É assim que flagramos suas pequenas manias: a querida garrafa de whisky sempre guardada na caixa, a comida bem misturadinha no prato, o hábito de “barbear” o lado de fora do nariz, bocejar nas festas e dirigir muito mal o Uno Mille caindo aos pedaços.

Mesmo que se arrisque a tangenciar a exploração de uma comicidade etarista, Leonardo confia na afetividade para fazer do avô materno um personagem amorosamente pitoresco. Seu Cavalcanti com prazer se deixa levar pela proposta, brindando o filme com suas tiradas pândegas.

Cortejador inveterado, encena um flerte com a atriz Maeve Jinkins, em adorável participação, e se declara mais que um eleitor, um enfeitiçado por Dilma Roussef, “linda até na cama”. Pacientemente, se submete às gravações brincalhonas para o filme, daí resultando cenas hilárias como um videoclipe em torno do whisky. Quando tem seu carro roubado (se é que foi verdade), representa seu desespero como um ator diante da câmera.

Leonardo potencializa o efeito humorístico mediante suas próprias intervenções orais e a eventual exposição do método adotado nas filmagens. Quando o som falha, o neto assume a voz do avô na dublagem. Essa sobreposição, aliás, reverbera outras da relação entre os dois. Enquanto Leonardo ainda não conhecia seu pai, o avô insistia em assumir a paternidade. Na velhice, ao contrário, era ele quem parecia ser o filho de Leonardo.

O avô não é o único a se engajar na divertida criação do filme. Outros membros da família e agregados entram na brincadeira, às vezes contracenando com atores num lusco-fusco entre verdade e dramatização. Mesmo após a morte de Seu Cavalcanti, Leonardo seguiu filmando sua história e perguntando-se quando deveria parar.

Parou certamente com a ajuda da Cinemascópio de Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux, que entraram na produção. Leonardo esteve na equipe de Aquarius, Bacurau e O Agente Secreto depois de dirigir seu primeiro longa, Permanência. Mais que um “projeto”, Seu Cavalcanti é uma manifestação de carinho familiar que soube transcender a esfera pessoal e se tornar um deleite para avós e netos em geral.

>> Seu Cavalcanti entra em cartaz a 11 de setembro. 

 

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