Para quem desconhece a história de LADY MACBETH, o olhar inquieto de Katherine (Florence Pugh), já na primeiríssima tomada, é insuficiente para anunciar do que a moça será capaz a fim de se vingar das imposições de um casamento forçado. Na clássica novela de Nikolai Leskov, Lady Macbeth de Mtensk (1865), a protagonista segue os passos de Madame Bovary, publicado oito anos antes, apaixonando-se perdidamente por um empregado do marido (Cosmo Jarvis). Mas, ao contrário da heroína de Flaubert e a exemplo da Lady Macbeth de Shakespeare, a moça não hesita em sujar as mãos de sangue para conseguir seu intento.
O roteiro dessa adaptação, escrito por Alice Birch, transfere a ação da Rússia para o interior da Inglaterra e faz alterações significativas em vista do original. Elimina ingredientes simbólicos ou fantásticos (como os sonhos de Katarina com gatos e os temores do empregado pelos fantasmas das vítimas) e interrompe a trama muito antes do desfecho. Com isso, abre espaço para uma releitura eminentemente social. O comentário sobre a opressão das classes e de gênero prevalece sobre as rusgas de ciúme entre os amantes, que dominam a segunda parte do texto de Leskov. Se uma abordagem feminista, insinuada no início, sai prejudicada pela natureza das ações de Katherine, o foco se concentra no desprezo, na diferença abissal e no entendimento impossível entre patrões e empregados. Como, aliás, seria explorado em 1888 na peça Senhorita Júlia, de Strindberg.
A produção tem a limpeza e a sobriedade típicas da BBC. A direção de William Oldroyd privilegia o suspense, fazendo de LADY MACBETH um thriller de espartilho, um serial killer de época.
Republicou isso em O LADO ESCURO DA LUA.