O professor Tunico Amâncio escreveu um livro de pesquisa indispensável chamado O Brasil dos Gringos, análise de um conjunto de filmes que expressavam o olhar estrangeiro sobre o Brasil. Ele provavelmente incluiria HÍBRIDOS – OS ESPÍRITOS DO BRASIL nessa vertente. O documentário, em cartaz no Rio somente no Reserva Cultural de Niterói, é uma coletânea virtuosa de imagens e sons sobre rituais místicos do Norte ao Sul do país. Índios do Xingu, romeiros do Círio de Nazaré e da procissão do Senhor dos Navegantes na Bahia, congadeiros de Minas, ministros de passes espíritas, praticantes da umbanda, fiéis do Santo Daime e da umbandaime, rezadores, cultores de Iemanjá, adeptos de sexo tântrico…
Os cineastas e pesquisadores franceses Priscilla Telmon e Vincent Moon conduzem um projeto multimídia (eles chamam de trans-cinema) com esse material coletado de 2014 a 2017. Têm uma postura de câmera respeitosa diante de todas as pessoas e situações filmadas, apesar de sempre muito próxima. O resultado não apela para o exotismo comum no olhar de gringo. Há perícia e sensibilidade na captação dos ritmos, das cores e da performance corporal dos vários tipos de transe. Não pude confirmar, mas a textura das imagens sugere o uso de película 16mm em lugar dos modernos suportes videográficos. Ou algum tipo de tratamento que gera resultado semelhante.
Ainda assim, o filme se ressente da falta de alguma afirmação etnográfica perceptível que transcendesse o belo material filmado. Tudo se esgota na plasticidade visual e sonora, bonitas construções rítmicas na edição e um sutil protagonismo das mãos atravessando distintas religiões e contextos. A beleza e a sobriedade, porém, não afastam a impressão de um cinema, no fundo, meramente extrativista. Um filme de gringo, com certeza.
HÍBRIDOS passa com debate na Mostra do Filme Livre, nos seguintes locais e horários:
Adorei a expressão cine extrativista. Deu vontade de rever o maravilhoso doc de win wenders sobre rituais africanos
Que filme do Wenders é esse?