MISSÃO 115
MISSÃO 115 era o codinome da operação que pretendia detonar uma bomba durante o show do Primeiro de Maio de 1981 no Riocentro. Como se sabe, os dois oficiais do Exército encarregados da tarefa foram atingidos pela explosão acidental do artefato ainda no estacionamento, causando a morte instantânea de um deles. O atentado descerrou de vez a cortina sobre o sistemático terrorismo praticado naquela época pela linha dura do regime militar com o intuito de barrar o processo de abertura. A bomba no Riocentro pretendia incriminar a esquerda e instaurar um clima propício ao endurecimento do regime.
Pela primeira vez no cinema brasileiro, aquele episódio protagoniza um filme de longa metragem. Silvio Da-Rin levanta detalhes e denúncias importantes sobre a preparação, as tentativas de acobertamento e as consequências políticas do crime. Um de seus perpetradores diretos, o ex-delegado e hoje pastor evangélico Claudio Guerra, descreve sua participação com a costumeira pachorra, assim como já fizera em relação a seus incontáveis assassinatos, ocultação de cadáveres e queima de arquivos no curta Uma Família Ilustre e no longa Pastor Claudio, ambos de Beth Formaggini. Esse homem, em seu permanente estado de confissão, já se tornou uma celebridade macabra no documentário brasileiro.
Mas MISSÃO 115 não se limita a relembrar o Riocentro. Antes o emprega como núcleo de uma constelação de ocorrências no capítulo do terrorismo de estado. Historiadores, sociólogos, pesquisadores e jornalistas somam-se para compor um painel amplo de análise que vem dos muitos atentados cometidos pelo chamado “grupo secreto” de agentes públicos na virada dos anos 1970-1980 até as démarches da distensão com Figueiredo e Golbery, a discussão dos benefícios e insuficiências da Lei de Anistia, o papel da Comissão Nacional da Verdade e a impunidade que se perpetua em relação a torturadores e matadores como Claudio Guerra.
Silvio Da-Rin tem envolvimento direto com o assunto. Foi preso político e militante de organizações de resistência à ditadura. Seu documentário Hércules 56 visitou as memórias de quem participou ou se beneficiou do sequestro do embaixador americano em 1969. Depois de abordar questões indígenas e do sertanismo em Paralelo 10, ele retoma o tema da ditadura com MISSÃO 115. Aqui participa muito discretamente na frente da câmera, mas, por trás dela, deixa patente sua habilidade em dissecar a História pela boca de quem a conhece tanto ou mais que ele.
Independente de suas próprias convicções, nos seus filmes Silvio não traz a História como coisa dada. Ao invés disso, busca uma dialética de opiniões com nuances distintas, às vezes até divergentes, como a mostrar que o passado é sempre uma projeção de memórias, interpretações e acomodações mentais. Com grande eloquência e clareza expositiva, MISSÃO 115 aponta o atentado do Riocentro como um escândalo ainda não totalmente esclarecido. E um alerta para a escalada de aventureiros fascistas que hoje nos assombra quase tanto como naquela época.
P.S. Pensar que Lula está preso pela farsa do tríplex enquanto tantos torturadores e assassinos continuam impunes até hoje só faz aumentar a indignação dos brasileiros conscientes.
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Seu comentário é impecável. Revisitar nossa historia recente é também uma forma de combater o obscurantismo e desmemoria que nos ronda.
Grato pelo comentário, Lenine. Precisamos de todos os recursos para resistir a esta onda retrógrada.
Gostei muito como historiadora da sua análise do passado e da memória e como cidadã de sua indignação final.
Como blogueiro, gostei muito do seu feedback, Vavy.